Primárias no New Hampshire: pizzas, pipocas e eleitores mimados

Num estado onde a esmagadora maioria das pessoas são brancas, o debate ganha ainda outras proporções. Os próprios residentes têm noção disso.

Os eleitores de New Hampshire são mimados. “Spoiled rotten”, disse mesmo um residente do próprio estado. Chegado o mês de Fevereiro, a cada quatro anos, todas as atenções viram-se para o pequeno território no Nordeste dos Estados Unidos. Vários residentes orgulham-se de terem conhecido pessoalmente os principais candidatos do partido democrata, ao longo dos últimos meses.

Apesar de representarem uma parte pequena da população do país, pelo simples facto de New Hampshire ser dos primeiros estados a votar nas eleições primárias, logo a seguir a Iowa, desempenham um papel importante na corrida eleitoral. E por isso recebem toda a atenção dos candidatos.

“Sabem quantos californianos é que cada um de vocês vale?”, perguntou Andrew Yang [que saiu da corrida depois da votação no New Hampshire] à audiência, durante uma sessão que juntou todos os candidatos democratas no sábado passado. “Mil californianos cada!”.

Não são novas as críticas à forma como o sistema eleitoral americano falha em representar de forma igualitária a vontade dos cidadãos. No caso das primárias em New Hampshire, um estado onde a esmagadora maioria das pessoas são brancas, esse debate ganha ainda outras proporções. Os próprios residentes têm noção disso. Alguns até concordam que o sistema não é justo. Acham que devia ser reformado. Mas ao mesmo tempo não querem abdicar do segundo lugar na corrida eleitoral. É giro estar no palco do grande espectáculo político americano.

No último fim-de-semana, centenas de jornalistas e residentes de estados vizinhos deram um salto a New Hampshire para assistir.

Em Manchester, houve quem se juntasse em watch parties para ver o debate da passada sexta-feira, ao lado de outros apoiantes. A festa de Bernie Sanders, num ginásio meio abandonado com água a pingar do tecto, era das mais animadas. Contou até com a presença de Michael Moore, além de cachorros, pizza e gelado oferecido pela Ben & Jerry's (cujos fundadores são apoiantes de Bernie).

Como se de um acontecimento desportivo se tratasse, o debate despertava fortes emoções da plateia, maioritariamente jovens com vinte ou trinta e poucos anos. A cada exclamação contra o abuso dos billionaires, os apoiantes de Bernie irrompiam em aplausos. E a cada comentário mais céptico em relação à sua agenda progressista, respondiam com um “boo!”.

Nas filas de trás, um grupo de amigos aproveitava para jogar uma versão de Bingo, em que os números se faziam substituir por frases, comportamentos e temas mais expectáveis durante a noite — “Candidates’ Iowa performance” e “Pete says arguing is bad”, por exemplo.

As campanhas eleitorais arrastam-se há longos meses — em alguns casos mais de um ano. Por isso, quando Andrew Yang perguntava a que sector é que vai buscar dinheiro para pagar a sua proposta de um dividendo de mil dólares a cada cidadão, o público já sabe responder em uníssono “tecnologia!”. Quando Elizabeth Warren entra em palco, já todos esperam ouvir a voz de Dolly Parton cantar “working 9 to 5”. E assim que Joe Biden entra em palco, sabem que é só uma questão de tempo até ouvirem a primeira gafe do ex vice-presidente.

A enorme arena desportiva onde no sábado os candidatos falaram aos eleitores — e onde dois dias depois Trump teve o seu comício — foi o momento talvez mais emblemático da política à americana: enquanto na plateia as figuras mais importantes do partido participavam num jantar formal, as multidões à volta, nas bancadas, dividiam-se por secções, apoiando os seus candidatos com gritos, cartazes e luzes. E, claro, assistiam a tudo de pipocas e bebida na mão.

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