O regresso das forças de bloqueio

Fernando Medina exagerou no processo de intenções ao Tribunal de Contas ao ponto de fazer lembrar Cavaco. Se se quer discutir o papel do Estado na resolução conjunta de um grave problema na habitação, então que se faça a sério o debate que, já se percebeu, divide o próprio PS.

A decisão do Tribunal de Contas é “lamentável”, “incompetente” e tem motivações “políticas”. Assim de repente, parece que recuamos a 1992 e estamos a ouvir Cavaco Silva a disparar sobre o TdC, então liderado por Sousa Franco. Foi nessa altura que nasceu a expressão “forças de bloqueio” à governação cavaquista aplicada ao TdC e depois estendida ao próprio Presidente da República, Mário Soares.

Agora quem recupera a mesma linha de ataque é o autarca de Lisboa, o socialista Fernando Medina, a propósito da auditoria daquele tribunal à venda de imóveis da Segurança Social, que concluiu que a Câmara de Lisboa, enquanto compradora, saiu beneficiada pois adquiriu ao Estado imóveis muito abaixo do preço de mercado. Em apenas seis meses, é o terceiro duro ataque do autarca à instituição liderada por Vítor Caldeira.

Em Julho do ano passado, depois de o TdC ter chumbado o Programa de Renda Acessível da Câmara de Lisboa e da demora em responder ao recurso da autarquia, Fernando Medina acusou o tribunal de estar “alheado da resolução do problema de habitação que é tão crítico para a vida do país”. “O TdC, que tem as suas competências e que tem de as exercer a bem do equilíbrio de poderes, tem um dever de trabalho conjunto com entidades públicas perante um problema que é central na vida dos portugueses”, atirava Medina, que viu ficar parado todo o seu Programa de Renda Acessível — anunciado há quatro anos e ainda sem casas. 

Em Dezembro, Fernando Medina e Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto e outra “vítima” de chumbos do TdC, uniram-se no coro de críticas. Medina acusava o tribunal de “violação do dever de lealdade institucional” e Moreira de “interpretações porventura ideológicas”.

Voltando ao dia de ontem, Fernando Medina exagerou no processo de intenções ao ponto de fazer lembrar Cavaco Silva. Se se quer discutir o papel do Estado na resolução conjunta de um grave problema na habitação, então que se faça a sério o debate que, já se percebeu, divide o próprio PS.

O autarca de Lisboa teve razão, porém, num ponto: como é que o TdC consegue criticar a venda dos imóveis, quando as operações tiveram visto prévio do mesmo tribunal? Cada uma das decisões foi tomada por pessoas diferentes (a última partiu do departamento de auditorias e o visto prévio foi dado pela 1ª secção) mas vinculam o mesmo órgão.

A guerra com o TdC, que se arrasta há meses, explicará também a vontade de o Governo ter proposto o fim da necessidade de projectos de habitação pública irem previamente ao Tribunal de Contas. É uma das propostas que consta no Orçamento do Estado para 2020 que está a ser discutido - o artigo 262 do OE altera a lei orgânica do TdC retirando da esfera desta entidade “os contratos e demais instrumentos jurídicos que tenham por objecto a prestação de serviços de elaboração e revisão de projecto, fiscalização de obra, empreitada ou concessão destinada à promoção de habitação acessível ou pública ou o alojamento estudantil”.

Esta mudança é, aliás, um dos quatro presentes que Medina recebeu do Governo no Natal, a juntar à mudança na lei das PPP para excluir as autarquias; a nova excepção ao limite de endividamento das autarquias para programas de habitação ao abrigo do Primeiro Direito e os benefícios fiscais a senhorios que adiram a programas municipais de arrendamento acessível. Falta só saber quem dará a mão ao PS para deixar contentes o socialista Fernando Medina e o independente Rui Moreira.

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