Alex foi “expulso” da cidade, mas voltou para nos guiar pela Nova Lisboa

Alex Couto já queria ser escritor antes de conhecer a palavra que lhe trouxe o primeiro livro, Nova Lisboa. “Gentrificação”, para ele, “era Brooklyn”. Até que lhe bateu à porta de casa — com todas as letras.

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Os posters e a capa do livro de Nova Lisboa DR

Ele já sabia como a história ia terminar, antes mesmo de pegar no Macbook e sentar-se no Jardim da Estrela a escrevê-la. A qualquer momento, Alex Couto receberia uma carta da senhoria, um email, (um whatsapp?), três pancadas na porta do apartamento no Bairro da Lapa. “São estes tectos trabalhados, o chão em tacos de madeira e o rodapé em azulejo que tornam possível o seguinte paradoxo”, escreve, num capítulo “especialmente profético” de Nova Lisboa. “Esta casa já não é minha, mesmo enquanto aqui vivo e pago a renda todos os meses.”

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Nova Lisboa (2019), de Alex Couto DR

Estava ali o início de uma distopia em que a senhoria de um escritor disfarçado de copy writer propõe um aumento da renda em 500 euros, “porque tinha uma filha que precisava dos rendimentos para ser escritora”. Alex não pôde fazer nada — a não ser dedicar-lhe o primeiro livro e mudar-se para outro concelho. 

“Aconteceu. Fui para Algés. São duas paragens de comboio de distância, mas ajuda à narrativa dizer que fui para outro concelho”, relativiza. “Quando já tinha uns 40 textos escritos, apercebi-me que o exercício que estava a fazer era revoltado de mais para a situação em que eu estava.” Não era um dos casos críticos de despejos que lia nos jornais ou ouvia no café. Estava só a sair de um bairro de charme.”

O que Alex Couto, 29 anos, há sete a tentar terminar um romance, passageiro frequente da Uber e cliente ainda mais fiel dos mesmos livreiros, fez foi pintar uma caricatura de uma caricatura. 

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Os posters que Alex Couto está a vender online. DR

Ao livro a que prefere chamar “guia turístico literário”, não por apoquento de o apresentar como primeira obra, provocámos, mas porque ao lê-lo se apercebeu que “estava a correr as capelinhas todas geograficamente”, chamou Nova Lisboa (uma edição de autor à venda online e na livraria Uni Verso, em Setúbal, por 12 euros). Nele, faz de guia para um amigo turista e traça um roteiro surrealista com pausas onde “antes ali era isto”, “acolá aquilo” e histórias protagonizadas por “tasco-terroristas” e um político de balaclavaNova Lisboa são todas as ‘Lisboas’ sempre que há uma mudança”, observa. E as de agora, escreve, são “suficientemente bizarras para justificar uma grande birra”. 

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Alex Couto, 28 anos, autor de Nova Lisboa @mariarita.photo

Em 2019, Alex Couto quis “captar uma mudança muito específica”, que tem como banda sonora as “rodas dos trolleys ​na calçada portuguesa”. “Para pintar esta Nova Lisboa eu precisava de a contornar com todos estes detalhes estéticos que ajudam a pintar uma certa imagética na cabeça das pessoas: um estabelecimento com muitas plantas, as tostas de abacate, as fachadas dos prédios completamente remodeladas. E, acidentalmente, acho que fiz uma coisa para pessoas que têm entre os 20 e poucos e 30 e muitos anos e são um bocado hipsters”, reflecte, um “upsa ficar pendurado no ar. “Fiz uma coisa muito para a minha geração. Não sei se isso me deixa feliz ou triste.”

Fê-lo rir, pelo menos. “Foi uma catarse. Há aqui uma energia muito de culpabilizar pessoas, entidades, que surgiu quando eu comecei a ouvir mais as queixas dos outros. Eu nunca culparia os hipsters,​ ri-se. “Mas quando ouvi aquele senhor a culpar os hipsters, fez-me algum sentido.”

A morar em Lisboa desde que “pagava 350 euros por um T2 com vista para o Tejo na Madragoa” (isto é, 2011) e ansiava por um restaurante coreano (conta dois, agora), “gentrificação”, a palavra que lhe encheu um primeiro livro, para ele, “era Brooklyn”. Eu sinto-me mesmo um agente infiltrado. Gozo imenso com o Fauna e Flora [um daqueles estabelecimentos com muitas plantas, segundo a sua própria descrição]​, mas ao mesmo tempo adoro-o. E sinto-me mal por adorar, porque sei que o facto de o restaurante ter ido para aquele sítio fez com que o prédio onde o Saramago vivia se tivesse tornado um prédio onde os lisboetas já não podem viver.”

 

Quando se vira a última página, não é (só) nostalgia que se sente. “É amargo gostar tanto destes novos aspectos da nova Lisboa”, desculpa-se. 

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