Um país sem oposição – derradeira terceira temporada

O PSD está em estado catatónico, perdeu-se num mundo só seu, ensimesmado e alienado do resto do país. Uma irresponsabilidade política sem memória.

A democracia é a fórmula encontrada pelas sociedades modernas para a gestão e construção de “consensos”, que surgem do debate e da negociação política depois de sufragadas as decisões dos cidadãos por meio do voto. Uma vez encerrados os períodos eleitorais, definidas as posições pelo eleitorado, está legitimado o elenco governativo e as suas oposições durante um mandato que, no caso das legislativas, será de quatro anos.

Se a vida nas sociedades modernas é impossível sem a existência do diálogo, a democracia também não sobrevive à inexistência de contraditório, de confronto de opiniões, de debate e de negociação. O combustível que alimenta a democracia é a participação política ativa dos seus vários protagonistas – os eleitos pelo povo. Os eleitos a quem os cidadãos outorgam um mandato representativo e aos quais é exigida determinação e lealdade aos compromissos eleitorais assumidos. O confronto das ideias e das perspetivas políticas de cada interveniente é, assim, fundamental para a definição das melhores propostas que impactam o dia-a-dia dos cidadãos.

Ora, se tudo isto que acabo de descrever representa muito do histórico da nossa democracia que soma já 45 anos de maturação, não se percebe como é possível que o maior partido da oposição, um partido fundador da democracia portuguesa e alternativa de governo com responsabilidades reconhecidas no seu contributo para os destinos de Portugal, continue ensimesmado e distraído das questões do país e dos portugueses, imerso em lutas internas sucessivas em que se entretêm há quase três anos consecutivos. 

Parece uma série de baixa qualidade, mas de dispendiosa produção, em que a terceira temporada prenuncia ser tão má como as suas antecessoras. Verdade seja dita, desta vez não podemos acusar que a culpa é do Passos Coelho. A culpa é de todo um partido, tomado por várias fações que se entretêm em jogos de sombras e aponta baterias entre si, dando mais argumentos ao Partido Socialista e aos portugueses sobre o porquê de não merecerem a confiança para governar, do que razões para voltar a ser uma alternativa credível e confiável. E, no meio disto tudo, conseguem destruir todos os potenciais candidatos a uma liderança forte, firme e consensual.

Correndo o risco de me repetir, mas não podendo contornar as evidências, não há dúvidas nenhumas que o PSD está em agonia e num lento e processo de autodestruição desde 2017. 

Como escrevi aqui nesta mesma crónica em setembro de 2018, “a direita portuguesa esboroa-se, confronta-se e divide-se como nunca antes tinha acontecido”. Depois de termos assistido, no final de 2017 e início de 2018, a uma disputa que não foi mais do que um acerto de contas entre duas velhas guardas, que culminou com um líder em permanente conflito interno, acossado e sem qualquer posição politica de relevo que não sejam os saneamentos e limpezas internas, e o outro, histórico e destacado militante, a abandonar o partido criando um nado-morto que nem ao próprio conseguiu ser útil eleitoralmente.

Previa nestas mesmas linhas que uma direita assim pulverizada perderia força de oposição suficiente para manter os equilíbrios necessários ao regime, mas o que sucedeu foi bem pior: não só se perdeu a força da oposição, como também a firmeza e também a relevância. 

O PSD está em estado catatónico, perdeu-se num mundo só seu, ensimesmado e alienado do resto do país. Despertou momentaneamente nos períodos eleitorais que se sucederam, mas notoriamente em estado reativo e meramente conjuntural. O líder do PSD limita-se a gerir silêncios, não há ideias para o país, não há propostas nem contributos, apenas silêncios e muito taticismo. Uma irresponsabilidade política sem memória.

O atual líder, que tinha já um declarado opositor interno desde janeiro de 2019, passou a ter vários assumidos competidores, e não fosse alguma consciência critica de uns poucos que provavelmente fizeram as contas ao potencial de vitória pessoal teríamos, não apenas três candidatos à liderança, mas cinco ou seis. Se o espetáculo que estão a dar ao pais é tão decadente e degradante, o que não seria se o elenco de gladiadores fosse maior.

Anda o maior partido da oposição perdido entre a caça às bruxas e a caça ao voto, enquanto o Partido Socialista governou o país conseguindo resultados históricos no défice e renovou a confiança dos portugueses, e nem o Orçamento deostado do início de legislatura, que é sempre um momento de combate e confronto político relevante, fez com que o PSD despertasse deste torpor.

Correndo novamente o risco de me repetir, mas não podendo contornar as evidências, não há dúvidas nenhumas que o PSD está em agonia e num lento e processo de autodestruição desde 2017 (a repetição desta frase é propositada). Como escrevi aqui nesta mesma crónica em janeiro de 2019, “o maior partido da oposição virou o ano inteiro fechado sobre si mesmo, entre a caça às bruxas e os arrufos entre fações, entre cisões e debandadas e golpes palacianos, entre lutas fraticidas e boicotes internos permanentes. O PSD está em crise profunda, agonizante e, pior, já nem sabe o que defende”. Poderia ter reescrito este mesmo parágrafo um ano depois. Não se alterou uma única vírgula nem perdeu qualquer semelhança com a realidade.

Correndo o risco de me repetir, foi mais um final de ano triste para o PSD – o terceiro ano consecutivo –, que se viu dia após dia sacudido por acusações internas de golpadas nos cadernos eleitorais, de saneamentos de militantes, de chapeladas e truques nos pagamentos de quotas, de acusações de pertenças a sociedades mais ou menos secretas, de desculpas e justificações infundadas como se de lepra se tratasse, de ameaças e de ofensas, de discursos autocentrados e um quase nada sobre o pais. 

O partido continua a discutir a sua matriz ideológica, imagine-se. Uns ao centro, outros à direita, uns com força que vem de dentro, outros sem força nenhuma, uns no passado, outros no presente, nenhum com propostas de futuro.

Correndo o risco de me repetir, eles aí continuam, engalfinhados em busca de algum resto do qual ainda possam apoderar-se do que possa restar de um partido fundador da democracia, sem qualquer respeito pelos cidadãos que sempre entenderam que esse era o partido que melhor defendia os seus ideais, e pelos vistos respeito por si mesmos. 

E, correndo o risco de me voltar a repetir, felizmente que ainda conheço neste PSD moribundo gente que está mais preocupada com o país do que com os seus correligionários, noutros patamares é certo, mas onde a política acontece e onde a democracia se concretiza. 

Poderia desejar que esta convulsão pudesse terminar com as eleições primárias que se aproximam, mas se podemos aprender alguma coisa com o passado, em particular com estes protagonistas, é que muito provavelmente esta guerra autodestrutiva não terminará por aqui. Parece que Rui Rio conquistou o partido determinado a não deixar pedra sobre pedra, nem pedreiros que o continuem, e que em caso de derrota, que se prevê eminente, não restará praticamente nada para liderar. 

A bem de Portugal, e da nossa democracia, espero que possamos voltar a ter uma oposição credível, responsável ou, pelo menos, com vida.

Votos de um excelente 2020 a todos!

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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