Um voto pela decência

O que está certo é o impeachment, mesmo que o resultado final seja a derrota no Senado.

Se Donald Trump merece claramente ser destituído por questões que advêm do seu comportamento no caso dos telefonemas ao Presidente ucraniano, não é menos verdade que deveria existir a possibilidade de o afastar do cargo por razões de decência mínima.

Ainda anteontem, num dos comícios celebratórios em que o Presidente norte-americano gosta de dar banho ao seu ego, Trump voltou a mostrar porque é difícil conseguir encará-lo sem um nó no estômago. Falando sobre a congressista democrata Debbie Dingell, que votou favoravelmente o impeachment, Trump chamou à colação o falecimento, em Fevereiro deste ano, do seu marido, o também congressista John Dingell.

O Presidente norte-americano afirmou que dispensou tratamento “A+” à família e que a congressista lhe ligou agradecendo e dizendo que o marido devia estar “emocionado”, vendo “lá de cima” as cerimónias fúnebres. No estado natal do homem que lutara na II Guerra Mundial e era o mais antigo membro do Congresso, Trump achou por bem acrescentar que “talvez ele estivesse a olhar para cima”, ou seja, a partir do inferno.

É isto Trump, alguém que acha que por ter tratado “bem” uma pessoa ela lhe deve favores, alguém que para atacar um adversário político não hesita em destratar o seu falecido marido. É isto, esta deliquescência moral de um povo que consegue conviver com o facto de um homem como este ocupar o lugar cimeiro da nação, que vai ser difícil inverter, um dia que os EUA possam virar esta página. Quando se chega tão baixo, é muito complicado voltar a erguer-se.

Mas é preciso manter os olhos na esperança de exemplos únicos como o de Justin Amash, o congressista que foi eleito, em 2010, a partir das fileiras do Tea Party e que, em Julho, abandonou a bancada republicana para se tornar independente. Foi dele o único voto conservador a favor da destituição. “O presidente Donald J. Trump abusou e violou a confiança pública ao usar o seu cargo para solicitar ajuda a um país estrangeiro. É nosso dever acusá-lo”, afirmou ele.

Como afirmou a congressista Debbie Dingell: “Não pomos o dedo no ar para ver o que as pessoas pensam. Temos de fazer o que é certo por este país para proteger a nossa Constituição e a nossa democracia.” E o que está certo é o impeachment, mesmo que o resultado final seja a derrota no Senado – porque há alturas em que a vontade de decência mínima se deve sobrepor a qualquer calculismo político. Afirmá-la já é uma vitória.

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