Partido Democrata tenta evitar “julgamento parcial” de Trump no Senado

Quando parecia que tudo estava pronto para um julgamento rápido do Presidente Trump no Senado, sem condenação, o Partido Democrata indicou que pode reter os artigos de impeachment aprovados na quarta-feira até que o Partido Republicano dê “algumas garantias de justiça e imparcialidade”.

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A líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, é a principal responsável pela acusação contra Trump Reuters/Jonathan Ernst

Tudo na experiência dos últimos meses dizia que o processo de destituição do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ia ser simples. Conturbado enquanto durasse, mas com um resultado esperado à partida: depois de uma acusação na Câmara dos Representantes, aprovada apenas com os votos do Partido Democrata, haveria um rápido julgamento no Senado, sem consequências para o Presidente, graças aos votos do Partido Republicano.

Mas, logo na noite de quarta-feira, assim que Donald Trump se tornou no terceiro Presidente norte-americano em 243 anos de história a ser acusado num processo de impeachment, esse guião previsível foi ligeiramente retocado pela líder da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi.

“Até agora, não vimos nenhuma indicação de que o julgamento no Senado possa vir a ser justo”, disse Pelosi aos jornalistas, minutos depois de o Presidente Donald Trump ter sido acusado de abuso de poder (com 230 votos contra 197) e obstrução do Congresso (229-198).

Nesse momento, ficou clara a decisão do Partido Democrata de não convocar, na mesma noite, a votação para a escolha dos congressistas que vão fazer de acusadores no julgamento de Donald Trump no Senado — um passo obrigatório e sem o qual a liderança do Partido Republicano na câmara alta do Congresso norte-americano não pode marcar uma data para o início do julgamento.

A estratégia, discutida nos últimos dias entre os líderes do Partido Democrata na Câmara dos Representantes, tem um objectivo claro. Ao contrário do que foi feito pelo Partido Republicano no dia em que o Presidente Bill Clinton foi acusado de perjúrio e obstrução da Justiça, em Dezembro de 1998, Nancy Pelosi e os seus braços direitos admitem adiar o envio para o Senado dos artigos de impeachment aprovados na quarta-feira, como forma de pressionarem o Partido Republicano a aceitar a audição de testemunhas próximas do Presidente Trump durante o julgamento — uma exigência dos democratas que os republicanos já recusaram mais do que uma vez.

A intenção do Partido Democrata de adiar o arranque do julgamento — que era dado como certo para o início de Janeiro — começou a ser discutida depois de alguns constitucionalistas terem escrito artigos de opinião nos jornais a defenderem essa hipótese. Mas ganhou um argumento de peso quando o líder da maioria do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell disse, com todas as letras, que não seria um jurado imparcial no julgamento do Presidente Donald Trump.

“Enquanto não tivermos algumas garantias por parte do líder da maioria [republicana] de que ele vai permitir a realização de um julgamento justo e imparcial, seríamos loucos se aceitássemos participar num kangaroo court”, disse esta quinta-feira o congressista James E. Clyburn, do Partido Democrata, usando a expressão em inglês que descreve um julgamento tendencioso — e que o Partido Republicano também usou, durante as audições de testemunhas na Câmara dos Representantes, para se referir a essa primeira fase do processo de destituição do Presidente Trump.

Como se esperava, a incerteza sobre a data do início do julgamento, que o Partido Republicano prefere que seja concluído de forma rápida, enfureceu o Presidente Trump.

“Fui acusado sem que um único republicano tivesse votado ao lado dos democratas na continuação da maior caça às bruxas da história da América”, escreveu Trump no Twitter. “E agora, o partido dos que não querem fazer nada, não quer fazer nada com os artigos [de impeachment] e não quer enviá-los para o Senado. Mas a decisão é do Senado!”

E o líder da maioria republicana no Senado reagiu a essa possibilidade acusando a líder da Câmara dos Representantes de ter “medo”.

“É como se os acusadores estivessem a pensar duas vezes, perante todo o país, se querem mesmo ir a julgamento”, disse McConnell num discurso de meia hora no Senado, na manhã desta quinta-feira. “Eles disseram que o impeachment era tão urgente que nem sequer podiam esperar pelo fim de todos os passos processuais, e agora contentam-se em ficar sentados em cima das mãos. Isto é cómico.”

Pondo de lado as habituais tentativas de pressão no tribunal da opinião pública e a troca de acusações entre as principais figuras da política norte-americana, o Partido Democrata está a tentar aproveitar a única hipótese que tem de não se limitar a marcar presença no julgamento do Presidente Trump, sem poder travar a força da maioria dos votos do Partido Republicano.

Novas testemunhas

Assim que o Partido Democrata escolher os congressistas que vão liderar a acusação no Senado, e libertar os artigos de impeachment, espera-se que a maioria republicana aposte num julgamento curto e sem surpresas. Para ter o mínimo de poder de negociação nessa história, o Partido Democrata quer pressionar a liderança republicana a fazer concessões, usando os artigos de impeachment como moeda de troca — enquanto Mitch McConnell não recuar, Nancy Pelosi não permite o início do julgamento, que os republicanos e a Casa Branca querem resolver o mais rapidamente possível.

Entre as exigências do Partido Democrata estão o pedido de novos documentos à Casa Branca, retidos por Trump durante a fase de investigação na Câmara dos Representantes, e a audição de novas testemunhas, próximas do Presidente norte-americano, como o seu chefe de gabinete, Mick Mulvaney — que não foi ouvido na primeira fase do processo porque Trump não permitiu qualquer colaboração com as investigações lideradas pelo Partido Democrata.

“A defesa do Presidente é assim tão fraca que nenhum dos homens do Presidente consegue defendê-lo sob juramento?”, perguntou esta quinta-feira, em jeito de provocação, o líder da minoria do Partido Democrata no Senado, Chuck Schumer. “E se a acusação da Câmara dos Representantes é assim tão fraca, porque é que o líder McConnell tem tanto medo de testemunhas e documentos?”

Jogo de espera

Para além da pressão para ouvir novas testemunhas — que poderiam revelar novos factos prejudiciais para o Presidente Trump durante o julgamento —, o Partido Democrata espera beneficar da decisão de algum dos processos que correm nos tribunais contra a decisão do Presidente de proibir qualquer colaboração da Casa Branca com as investigações da Câmara dos Representantes. Se, em alguma dessas decisões, que podem ser anunciadas nas próximas semanas, um tribunal decidir que o Presidente não pode opor-se a toda e qualquer ordem do Congresso, o Partido Democrata pode ganhar ainda mais peso nas negociações com o Partido Republicano sobre a forma como deve decorrer o julgamento no Senado.

Mas se a estratégia do Partido Democrata não resultar, e se o julgamento começar em Janeiro e decorrer sem surpresas, é quase certo que Trump vai manter-se na Casa Branca, pelo menos, até ao fim do seu mandato, em Janeiro de 2021.

Os documentos e as testemunhas que serviram para o Partido Democrata acusar Trump de abuso de poder e obstrução do Congresso, na quarta-feira, nada representam para o Partido Republicano. Com apenas 47 senadores, o Partido Democrata ficará a 20 votos da maioria de dois terços necessária para afastar um Presidente da Casa Branca.

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