Porto: “Ui, temos uma queijaria no Marquês!”

Na novíssima Queijaria da Praça, os queijos têm o rosto de uma família ou de um produtor. São trabalhados, maturados e afinados. São queijos “tratados – e bem tratados.”

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Anna Costa

Queijos “bonitos”, casca irregular, fortes e macios. Queijos com muitas mãos, queijos com história e com rosto de uma família. Queijos vulgares e queijos raros. Queijos com muita ciência, queijos tradicionais “tratados e bem tratados”. Queijos afinados. Queijos que vão “deixar saudades” a quem passar, parar e entrar na Queijaria da Praça (do Marquês de Pombal, no Porto).

Estão uns 15 graus na recém-nascida mercearia de queijos ("temos mantas”, avisam os proprietários Diana e Rui) em pleno Marquês, onde já existiu um mercado da aguardente, uma praça de touros e as “emblemáticas” corridas ilegais de carros. “Ainda não havia semáforos no Marquês”, lembra Rui, hoje com 46 anos e memórias vivas de uma zona que fica muito perto e muito longe do centro da cidade. “O Marquês tinha um lago lindíssimo e muito mais árvores. Era bairrista – até no sentido mais pejorativo.”

No Marquês há um coreto centenário de ferro e a Fonte da Confidente. Há um jardim romântico com jogos acesos de sueca e de dominó. Há castanhas a fumegar na esquina, um corrupio de gente a toda a hora e uma mercearia – com uma temperatura regular entre os 14 e os 16 graus – que já começou a contar a história de queijos. “Queijos produzidos através de métodos artesanais”, sublinha Rui. “Nenhum é industrial”, reforça.

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Na cave há uma sala onde podemos provar o resultado do trabalho de investigação do casal – e de uma “road trip de queijos” entre o Porto e Madrid traçada pelo principal fornecedor da Queijaria da Praça, a espanhola Cultivo, a trabalhar “com respeito pela matéria-prima” desde 2014. Durante uma semana, Diana e Rui visitaram e absorveram o que havia para absorver de vários projectos (Vida Láctea, Praizal, Siete Lobas, Cañareja, Campoveja, Granja Cantagrullas, Los Quesos de Juan e Elvira García, para além das duas queijarias da Cultivo), meteram “as mãos na massa” e voltaram com “uma visão muito clara e ampla daquilo que é a produção artesanal do queijo”.

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“Fomos ver o que já existe e perceber se era o que queríamos para nós. Lemos muito nos livros, mas não é a mesma coisa. Estivemos com as ovelhas, com as cabras, percebemos o processo produtivo na sua globalidade desde a ordenha até ao queijo chegar à montra para ser degustado pelo cliente”, explica Diana (formação em Ciências do Ambiente, estudos de impacto ambiental na área da Construção Civil “praticamente a vida toda"), que teve a oportunidade de “fazer queijo” por exemplo na Praizal – esse preciso lote estará no Porto dentro de meio ano, depois de maturado e afinado durante quatro ou cinco meses na Cultivo. “Affineurs”, pronuncia Diana. Afinadores.

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“Espanha tem uma experiência muito grande nessa área. A Cultivo tem uma série de queijos afinados por eles: a temperatura e a humidade controladas para permitirem que o leite evolua e que a textura e o sabor sejam diferentes de quando são produzidos.” “Criámos cumplicidade”, resume Rui, nos últimos meses quase tão ágil na arte dos queijos como na área financeira. “Os queijos têm muita ciência. E nós temos muito que aprender”, admite. Uma certeza: aqui vende-se “qualidade de excelência”. “Vendemos queijos trabalhados, maturados e afinados com qualidade, queijos tratados – e bem tratados. Visitámos as queijarias para que isso aconteça.”

Na mercearia, como num museu (Verónica na “visita guiada” pelo balcão), exibem-se fatias e patelas de cerca de 40 queijos internacionais (espanhóis, holandeses, suíços, italianos, alemães, franceses e ingleses) e à volta de duas dezenas de referências portuguesas. “Há tanta coisa boa...”, suspira Diana, que procurará manter alguns e trazer nomes que estão “na lista de espera”. “Estes”, diz, apontando para duas Raclette D'Alpage e para outras tantas unidades de Isla Corazon, “são queijos que dificilmente conseguimos tão brevemente”. “Infelizmente são filhas únicas. Quando estas acabarem, tão cedo não voltamos a ter.” Como filhos que vão estudar para fora. “Vão voltar, não sei é quando”.

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A Queijaria da Praça tem uma semana de vida. A Fugas visitou-a no dia do baptismo das tábuas com nomes de praças do Porto: Flores (três queijos, 10€), Poveiros (quatro, 13,50€), Marquês (cinco, 17€), Batalha (seis, 20€) e Liberdade (à medida). “Quem prova, leva”, diz Rui – e há uma regra: toda a gente prova antes de levar. “São queijos que vão deixar saudades”, completa Diana.

Na nossa mesa está uma tábua versão livre (com um naco de Taleggio, um pedaço de Chällerhocker e outro de Braojos) e três dos produtos artesanais pairing que a Queijaria da Praça não se cansa de elogiar: uma cerveja Levare (o universo desta marca fica na Rua de Santo Ildefonso), um cesto de pão Garfa e um frasquinho de compota Greenalyn, da Alina (de pêra e baunilha, de ameixa, de figo e laranja, de abóbora e amêndoa...). “Somos pequenos e crescemos juntos”, diz Rui.

“Há muitas mãos neste trabalho”, diz Diana a propósito dos queijos e enquanto vai repetindo e misturando nomes como Pata de Mulo e Monte da Vinha, Panazaburro e Tasugueras, queijos “bonitos” de “várias tonalidades”, “muito fortes” e “de pasta mole”, “queijos muito diferentes do normal, textura e sabor”. Todos “com uma história”, todos com “o rosto de uma família e de um produtor”. Portugal, garante a Queijaria, “está no campeonato” dos queijos mundiais (que o diga o Monte da Vinha, o São Jorge, o São Miguel Velho e o Serra da Estrela). E o Porto também (Rui identifica três casa: Queijaria do Almada, Say Cheese e a Queijaria Amaral).

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A queijaria está aberta há dias. Embrulha os queijos em papel, onde escreve com uma caneta o seu nome e o produtor. Há especialistas que entram e pedem queijos que ainda estão na lista das próximas aquisições. Também já alguém pediu “duas bolas de queijo Limiano” (a Queijaria da Praça sorri e apresenta os seus queijos artesanais). “Estamos próximos do comum mortal da cidade que trabalha e vive aqui, que passa todos os dias para ir buscar os filhos à escola. E que passa, pára e diz ‘Ui, temos uma queijaria no Marquês!”.

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