Xi Jinping e o “sonho chinês”

A prioridade do Presidente chinês desde o início é consolidar o partido, para evitar um colapso como na União Soviética, e a restauração da posição histórica da China na ordem mundial.

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O Presidente chinês, Xi Jinping THOMAS PETER/Reuters

Em 2012, a nomeação de Xi Jinping como Secretário-Geral do Partido Comunista da China (PCC) marca uma viragem decisiva. A nova narrativa oficial resume essa mudança definindo três ciclos na história da República Popular da China (RPC) – a reconstituição do Estado com Mao Tsetung, a modernização da economia com Deng Xiaoping e a restauração da China como grande potência com Xi Jinping.

Na sua ascensão, Xi enfrenta um rival poderoso. Bo Xilai, tal como Xi, é filho de um velho revolucionário perseguido durante a “Revolução Cultural”, vai ser preso, no início de uma campanha contra a corrupção que condena mais de um milhão de quadros do Partido. No fim do seu primeiro mandato, em 2017, Xi retira da Constituição a cláusula que limita a dois o número de mandatos do Presidente da RPC: o princípio da “Nova Era” é o fim da direcção colectiva imposta por Deng.

Desde início, a prioridade de Xi é consolidar o partido para impedir a repetição na China do colapso soviético: “Em termos proporcionais, o Partido Comunista da União Soviética tinha mais membros do que o nosso, mas caiu de um momento para o outro”. O essencial para o novo Secretário-Geral é a ideologia marxista-leninista: “Rejeitar a história do partido soviético, rejeitar Lenin e Stalin, é cair no niilismo histórico”. O “socialismo com características chinesas” volta a ser apresentado como um modelo universal.

O tema dominante da nova “linha geral” é o “sonho chinês” sobre o “renascimento da China” e a restauração da sua posição histórica na ordem mundial. Xi define duas datas cruciais na sua “estratégia dos centenários": nos cem anos da fundação do PCC, em 2021, a China deve completar a construção de uma “sociedade moderadamente próspera em todos os domínios” e, nos cem anos da fundação da RPC, em 2049, a China deve ser “um país socialista moderno, próspero, forte, democrático, culturalmente avançado e harmonioso”.

Nessa data, a China deve ultrapassar os Estados Unidos em todos os domínios relevantes que definem o poder nacional dos Estados e substituir a ordem liberal das potências ocidentais pela ordem hierárquica da principal potência continental. Em 2049, a questão de Taiwan deve estar resolvida para garantir a “reunificação completa” da China, no momento em que termina o período de transição que assegura a autonomia de Hong Kong e de Macau no quadro do princípio “um país, dois sistemas”.

O projecto emblemático de Xi são as novas Rotas da Seda que devem ligar a China à Europa através da Eurásia e do Índico. A “Rota da Seda terrestre” inverte o sentido da expedição de Marco Polo, a “Rota da Seda marítima” o da viagem de Vasco da Gama: o novo século marca o fim da dominação ocidental e a ressurgência asiática.

A China do século XXI tem como referência a China do século XV, quando Pequim dominava a Ásia e as suas esquadras chegavam às costas da África Oriental. Xi é responsável pela criação de uma marinha de guerra moderna, com capacidade para intervir no Pacífico e no Índico, que tem a sua primeira base naval em território estrangeiro no Djibuti.

Em 2017, as Rotas da Seda, que passam a ser denominadas como a “Iniciativa da Rota e da Cintura” (BRI), são alargadas para incluir parceiros de todos os continentes. Nesse quadro, a China acrescenta uma terceira “Rota da Seda polar”, que completa as ligações marítimas com a Europa pelo Ártico, em parceria com a Rússia.

O “sonho chinês” realiza-se com as Rotas da Seda, no quadro de uma “estratégia de conectividade” política, económica e cultural assente numa rede de infraestruturas portuárias, ferroviárias e tecnológicas, incluindo a próxima geração de telecomunicações móveis (5G). A China controla portos marítimos desde Darwin, no Pacífico, a Hambantota, no Índico, ao Pireu, no Mediterrâneo, e a Kirkenes no Ártico, e construiu o porto seco de Khorgos no Kazaquistão, no eixo das ligações ferroviárias que ligam a China à Europa, nomeadamente ao porto seco de Duisburg, na Alemanha.

A prioridade da estratégia internacional da China é consolidar a sua hegemonia na Ásia e, para tal, é indispensável que os Estados Unidos deixem de ser uma potência asiática. A China, que consolidou uma posição de superioridade económica e militar na Ásia, não teme nenhum dos seus vizinhos, incluindo a Índia, que é uma potência nuclear, e o Japão, que não tem armas nucleares. A parceria estratégica com a Rússia é indispensável para garantir a rectaguarda da China e para contrabalançar a preeminência dos Estados Unidos.  

Xi refere-se a Vladimir Putin como o seu “melhor amigo” e quer articular as Rotas da Seda chinesas e a União Euroasiática russa para estruturar uma “Grande Eurásia”. A China precisa da Rússia, mas considera o seu aliado continental como uma potência em declínio. Para Pequim, a prioridade é dominar a “Grande Ásia” e quem a dominar não pode deixar de prevalecer na Eurásia. O “renascimento da China” e a ressurgência da Ásia são mudanças históricas que anunciam a transformação da ordem mundial.

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