Governo “foi até onde podia ir” com aumento de 0,3% na função pública

Frente Comum entrou e saiu da reunião com executivo sem se sentar à mesa. Quadros técnicos do Estado falam em subida “vexatória”, Fesap em decisão “miserabilista”.

Foto
As estruturas sindicais reuniram-se com o secretário de Estado José Couto Rui Gaudencio

Depois de três reuniões entre o Governo e as estruturas sindicais da administração pública, é ponto assente que a subida dos salários dos funcionários públicos será de 0,3% em 2020. Os sindicatos acusam o executivo de impor um valor sem querer negociar, mas a um dia da aprovação da proposta orçamental em Conselho de Ministros, este é o valor final porque o Governo “foi até onde podia ir”, assegurou o secretário de Estado da Administração Pública, José Couto.

No final dos encontros com a Frente Comum (que não chegou a sentar-se à mesa), com o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) e com a frente sindical Fesap, o secretário de Estado destacou aos jornalistas o regresso à “normalidade”, actualizando os salários de todos os funcionários públicos pela primeira vez “passados todos estes anos”.

“A proposta do Governo foi até onde podia ir, tendo em conta que o descongelamento das carreiras, com o pagamento a 100% das valorizações remuneratórias resultante desse desenvolvimento, tem um impacto nas contas públicas em matéria de massa salarial de 527 milhões de euros e isto significa um aumento da despesa em massa salarial de cerca de 3%”, explicou José Couto, secretário de Estado da ministra Alexandra Leitão.

As actualizações salariais de 0,3% representam um impacto entre 60 a 70 milhões de euros e, insistiu, este valor é aquele que “está nas possibilidades do enquadramento financeiro e orçamental” do país.

Na sua proposta, o Governo já inclui um compromisso para 2021: o de que o aumento salarial irá ser de pelo menos o valor da inflação do próximo ano que estará prevista na proposta de OE para 2020 a apresentar na próxima segunda-feira (e cujo valor ainda não é conhecido).

O Executivo diz que, depois, caso a inflação acabe por ficar acima do valor previsto, o aumento dos salários será também reforçado. Caso a inflação fique abaixo do previsto, o aumento salarial irá manter-se ao mesmo nível agora prometido.

Além da questão salarial, o Governo compromete-se ainda a iniciar nos primeiros três meses do ano a negociação com os sindicatos de um programa plurianual que inclua a “efectivação” da pré-reforma e a simplificação do sistema de avaliação de desempenho (conhecido por SIADAP).

Fesap faz contraproposta

Do lado dos sindicatos, há críticas tanto à decisão do Governo como à postura negocial, ao ter partido para uma ronda de três reuniões ao longo desta semana com uma proposta já fechada, acusando o executivo de não querer negociar.

O sinal mais evidente do desconforto foi dado pela Frente Comum, estrutura sindical que agrega os sindicatos afectos à CGTP, para quem o executivo de António Costa montou um “simulacro” de negociações.

A delegação liderada por Ana Avoila entrou na sala para se reunir com o secretário de Estado, esteve de frente com o governante, mas não chegou a sentar-se à mesa. Entregou uma carta a exigir aumentos de 90 euros para todos os funcionários públicos e saiu, exigindo um retomar de discussões que respeitem “a negociação colectiva”.

Na reunião que se seguiu, com a delegação do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), Helena Rodrigues não notou qualquer mudança de posição do Governo relativamente à actualização salarial para o próximo ano – uma actualização de 0,3% que a sindicalista considera “vexatória” tanto para os funcionários públicos como “pelo sinal que dá” incentivando os empregadores” a não irem além desta actualização no sector privado.

Para a Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap), a decisão do Governo é “miserabilista”. Em desafio, a estrutura sindical liderada por José Abraão fez uma contraproposta nesta última reunião, marcada pelo Governo para a véspera do Conselho de Ministros. “Como estamos de boa-fé nesta negociação, em resposta à proposta miserável do Governo, decidimos baixar a nossa reivindicação de aumento de 3,5% para 2,9% e esperamos que haja também uma compensação ao nível do subsídio de refeição e das ajudas de custo”, afirma ao PÚBLICO José Abraão.

“Propusemos também que sejam encontradas compensações para os funcionários que, já com muitos anos de serviço, estão ainda na entrada da carreira, perto dos 635 euros de salário”, disse José Abraão, revelando que a resposta do secretário de Estado foi “que apenas estava mandatado para apresentar a proposta de aumento de 0,3% e que iria levar a nossa contraproposta ao Governo para ser discutida em conselho de ministros.

O sindicalista assinalou ainda a diferença entre os 0,3% propostos pelo Governo para a função pública e o referencial de 2,7% apresentado pelo Executivo para os aumentos no sector privado - “Isto é atirar trabalhadores contra trabalhadores”, avisa.

Frente Comum prepara “resposta forte”

Em reposta ao Governo, a Frente Comum prepara-se para decidir medidas de luta. A coordenadora da federação, Ana Avoila, explica a razão pela qual a delegação não chegou a sentar-se à mesa no encontro desta manhã: “Não concordamos com a forma como o Governo fez este simulacro de negociação. Enviou uma convocatória impondo um calendário de duas reuniões – uma para abrir, outra para fechar – e dá-se logo ao luxo de ser ele a marcar e negociação suplementar [a de hoje] e nós não aceitamos intromissões nos direitos que são dos sindicatos”.

“A segunda questão é que a proposta dos aumentos de salários que está em cima da mesa dá seis cêntimos [por dia] para os assistentes operacionais, nove para os administrativos e 12 para os técnicos superiores, é um insulto e não vale a pena ter qualquer tipo de discussão. Está tudo indignado. Os trabalhadores não conseguem perceber e não faz sentido estarmos numa negociação suplementar sabendo as intenções que o Governo tem para o aumento dos salários”.

Na missiva deixada à ministra da Modernização do Estado e da Administração, Ana Avoila exige um “aumento salarial de 90 euros para todos os trabalhadores” no próximo ano e quer que o Governo continue a negociar. A sindicalista lembrou, em declarações aos jornalistas, que para se chegar aos valores de 2009 seria preciso uma actualização de 133 euros e frisou que a Frente Comum já disse ao executivo que o ajudava “a ir buscar o dinheiro onde o vai colocar no Orçamento do Estado”.

Para a representante sindical, se o executivo quisesse negociar tinha dito na reunião da passada quarta-feira que haveria espaço para alterar a proposta, mas, afirma, a Frente Comum perguntou-o “mais de seis vezes” e o secretário de Estado do Orçamento, João Leão, “disse que não alterava”.

A Frente Comum não confirma ainda se avançará para a greve, mas tem já em cima da mesa “uma proposta de luta” que vai aprovar na próxima semana, a 19 de Dezembro, três dias depois da apresentação do Orçamento do Estado, e o que daí sair, antecipa Ana Avoila, será uma “resposta forte”. “Os trabalhadores têm que se mobilizar e temos que tentar este estado de coisas”, apelou, sem antecipar se está na mira a convocação de uma greve.

Na carta à ministra, a Frente Comum considera a proposta “um ultraje” na actual situação económica do país e explica porque considera a negociação um simulacro – porque o Governo “quis impor datas, quer impor um aumento salarial ofensivo e pretende enganar a opinião pública misturando deliberadamente custos do trabalho que são do Estado com valor para aumentos salariais”.

Notícia corrigida às 15h39: Rectificado o valor da variação da despesa em massa salarial na função pública projectada pelo Governo para 2020. O valor correcto é 3%, em vez dos 30% referidos inicialmente por erro na notícia.

Sugerir correcção
Ler 10 comentários