França faz equivaler anti-sionismo a anti-semitismo

Lei aprovada é iniciativa de deputado do partido do Presidente Macron. Académicos israelitas e judeus tinham protestado contra a proposta.

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LUSA/MARTIN DIVISEK

O anti-sionismo é uma forma de anti-semitismo, determinou o Parlamento francês esta semana, depois de um debate aceso e de críticas de vários quadrantes - incluindo de académicos judeus e israelitas.

A proposta de lei seria baseada na definição da International Holocaust Remembrance Alliance, que diz que algumas formas de ódio contra Israel são anti-semitas, e inclui entre os exemplos de anti-semitismo comparações de Israel com a Alemanha nazi, alegar que a existência de Israel é resultado de uma acção racista ou usar classificações e símbolos clássicos anti-semitas para classificar Israel ou israelitas.

“Há alguns anos, França e a Europa, e quase todas as democracias ocidentais, estão a enfrentar um aumento de anti-semitismo”, diz a lei, aprovada esta terça-feira. “Acções anti-sionistas podem, por vezes, esconder atitudes anti-semitas. O ódio contra Israel devido à percepção como um colectivo judaico é semelhante a um ódio contra toda a comunidade judaica.”

Um exemplo dado pelo deputado que promoveu a iniciativa, Sylvain Maillard, foi de um manifestante nos protestos dos Coletes Amarelos que chamou “porco sionista” ao filósofo (judeu francês) Alain Finkielkraut, dizendo-lhe “volta para Telavive”. A propósito deste ataque, Macron disse que o anti-sionismo era “uma das formas actuais de anti-semitismo”.

O próprio Macron veio, entretanto, criticar a proposta. “Não creio que criminalizar o anti-sionismo seja uma boa solução”, disse. Apesar de ser de opinião de que “quem quer que Israel desapareça sejam as mesmas pessoas que querem atacar judeus”, o Presidente considera que “ao entrarmos nos detalhes, a condenação penal do anti-sionismo traz outros problemas”.

Judeus que não são sionistas

Pouco antes da data de aprovação da proposta de lei, 127 intelectuais judeus fizeram um apelo no diário Le Monde aos deputados franceses para que não aprovassem esta proposta de lei.

Na carta, explicavam que para os palestinianos, o sionismo representa a expropriação, deslocação, ocupação e desigualdades estruturais. “É cínico estigmatizá-los como anti-semitas porque se opõem ao sionismo.”

Em Outubro, uma carta de 39 organizações dizia que o anti-semitismo não devia ser definido de forma diferente de outras formas de racismo, e dizia que a lei poderia levar ao silenciamento de apoiantes dos palestinianos e críticos de Israel.

O jornalista Dominique Vidal, que em 2018 escreveu um ensaio sobre o tema depois de Macron dizer que o anti-sionismo era uma nova forma de anti-semitismo, declarou agora à televisão France 24: “Se considerarmos a oposição à teoria de Theodor Herzl [autor de O Estado Judaico, 1896] como anti-semita, estamos a dizer que os milhões de judeus que não querem viver na Palestina e nos territórios ocupados são anti-semitas – é iliteracia histórica ou, pior, estupidez”, comentou.

Vidal aponta que há mais judeus a viver fora de Israel do que no Estado judaico, o que vê como rejeição do ideal sionista.

Espaço para críticas

Ainda assim, Vidal aponta factores para a confusão entre os dois termos: desde a utilização, por anti-semitas franceses, de termos “sionista” em vez de “judeu”, até à aprovação, em Israel, da lei do Estado-nação, que define Israel como o Estado para o povo judaico.

A confusão entre os dois termos, diz, beneficia sobretudo o actual primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, “que está preocupado com a sua própria imagem” e assim pode “silenciar os seus opositores”.

Maillard defendeu-se das críticas dizendo que a lei dá espaço para “criticar o Governo israelita, mas não questionar o direito à existência do Estado”. “Ninguém questiona o direito de existir da França ou da Alemanha.”

França tem a terceira comunidade judaica do mundo, a seguir aos EUA e Israel, e tem visto uma subida do número de ataques anti-semitas – em 2018 houve 541 incidentes no país.

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