Bebé no lixo. Advogada pedirá que mãe cumpra prisão domiciliária se conseguir local que a acolha

Durante cerca de três meses a jovem foi à associação João 13 comer e tomar banho. Nunca disse a ninguém que estava grávida e como era “muito magrinha e baixa” terá conseguido disfarçar a barriga. À juíza de Instrução Criminal disse que só soube que estaria grávida aos sete meses e que lhe propuseram um aborto.

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A mulher de 22 anos vivia na rua, em Lisboa, numa tenda quando deu à luz. Rui Gaudencio

A mulher de 22 anos que está detida em Tires por alegadamente ter abandonado o filho recém-nascido no lixo, na madrugada de 5 de Novembro, tem uma nova advogada desde segunda-feira. Quando foi questionada pela juíza a sua defensora era oficiosa.

O PÚBLICO contactou Maria Lopes, a advogada que a vai representar e que referiu que neste momento não presta declarações porque ainda não lhe foi concedido o acesso aos autos. Relembrou ainda que estão em segredo de justiça e que estarão ainda a ser feitas as averiguações necessárias para se perceber o que de facto aconteceu. Admite, porém, que se encontrar um local que aceite acolher a mulher, uma vez que ela vive na rua, e se isso for legalmente possível, “poderá vir a solicitar o cumprimento da medida de coacção em prisão domiciliária”.

A mulher recebia apoio na Associação João 13, na qual também ninguém se terá apercebido que estava grávida. Fonte ligada à associação e que conheceu a mulher contou que esta começou a dirigir-se a um dos locais onde a João 13 presta apoio aos sem-abrigo, junto à Feira da Ladra, em Lisboa, há cerca de três meses. Neste local, os sem-abrigo recebem alimentação, podem tomar banho e deixar a roupa para lavar.

“Era difícil perceber porque ela é uma mulher muito magrinha e baixa”, contou a mesma fonte, sublinhando que às vezes aparecia um pouco combalida e que quando lhe perguntavam o que tinha ela dizia que era “uma indisposição”.

Para receber este tipo de assistência da Associação João 13 é preciso ir referenciado e ter uma ficha de sem-abrigo.

Esta mulher teria essa ficha e, segundo declarações da própria à juíza de instrução criminal, seria seguida num centro de apoio a sem-abrigo, na zona da Mouraria.

Tentámos saber junto da Associação João 13 que centro a referenciou, mas o seu presidente, Frei Filipe Rodrigues, apenas disse que “a Associação João 13 não presta qualquer declaração sobre esta questão” e que o “mais importante é o futuro dela e não o passado”.

Homicídio qualificado

As suas declarações à juíza de instrução, que a ouviu depois de ter sido detida e que decidiu aplicar-lhe como medida de coacção a prisão preventiva por homicídio qualificado na forma tentada, levantam algumas dúvidas.

Sobretudo no que diz respeito ao seu tempo de gravidez e ao tipo de apoio que poderá ter tido no centro onde alegadamente era seguida.

Nas declarações que prestou à magistrada, a mulher terá dito que “por ter feito um teste num centro de apoio a sem-abrigo, na Mouraria, sabia que estava grávida desde pelo menos o sétimo mês da gestação”. E que lhe “perguntaram se queria abortar tendo dito que não”.

Mas a mulher diz que, em determinada altura – a informação constante do habeas corpus não localiza este episódio no tempo – terá sido mesmo consultada por uma médica e terá efectuado um “teste de gravidez que apresentou um resultado positivo, tendo depois conversado com a médica sobre a situação e sobre a possibilidade de abortar ou levar a gravidez até ao fim”. Terá dito que “queria ficar com o bebé, resposta que deu apenas por ter medo de fazer um aborto”, descreve o acórdão do Supremo. A questão que se levanta é que legalmente apenas se pode abortar até às dez semanas e que as excepções se aplicam a casos de malformações ou quando a saúde da mãe está em causa.

Será preciso esclarecer se estava mesmo grávida de sete meses quando lhe foi proposto o aborto e se a médica que o fez saberia na altura o tempo de gestação.

Para a juíza não há dúvidas que a mulher quis omitir a gravidez e que premeditou o abandono do bebé. “A arguida nunca adquiriu qualquer peça de roupa ou qualquer outro produto necessário para o seu filho, ou preparou o seu nascimento”, lê-se nos factos explanados na decisão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu um habeas corpus que pedia a libertação imediata da mulher e no qual acabaram por ser revelados pormenores sobre o que aconteceu na madrugada do dia 5 de Novembro.

Acresce que a juíza acredita que a mulher premeditou o crime, já que quando por volta das zero horas do dia 5 de Novembro sentiu as contracções, saiu da tenda onde estava com o actual companheiro — de quem alegadamente escondeu a gravidez e que não será o pai da criança — e foi buscar um saco de plástico onde, depois colocou o bebé, assim como “o aglomerado de sangue e tecidos que foram expelidos no momento do parto”.

Alegadamente a criança terá nascido com 36 semanas. Mas pelo que foi noticiado na altura em que foi encontrado e levado para o hospital, seria um bebé de termo, ou seja, nasceu dentro do tempo normal.

Voltou ao local

Junta-se ainda o facto de a mulher ter confessado que, poucas horas depois do parto, voltou ao local onde abandonou o bebé e que o viu e o deixou lá.

 A mulher contou que regressou à tenda já perto das 03h da manhã. Quando acordou, perto das 12 horas, foi questionada pelo companheiro relativamente a uma bacia com água e vestígios de sangue e disse que estava com o período.

Depois decidiram ir visitar uns amigos, seguindo em direcção à discoteca Lux Frágil. A meio do caminho encontraram outros sem-abrigo que costumam pernoitar por ali e que comentaram que um outro indivíduo tinha visto um bebé nos contentores junto à discoteca. O seu companheiro terá ficado surpreendido e quis ir verificar. Vasculhou alguns contentores, mas nada viu e o bebé também não chorou. Terá sido nesse momento, enquanto o companheiro vasculhava os contentores, que a mulher viu o seu filho no contentor amarelo, mas nada disse e forçou o companheiro a ir embora.

Quem é esta mulher?

A agora detida tem 22 anos e é natural de Cabo Verde. Segundo o que contou à juíza está em Portugal há cerca de dois anos. Veio para estudar, mas abandonou os estudos. Tinha cá a mãe, mas esta regressou a Cabo Verde. Nessa ocasião foi viver com uma irmã, com a qual não se entenderia e acabou por ir viver para rua. Disse que não sabia quem era o pai da criança porque, antes de estar com o actual companheiro, se prostituía.

O PÚBLICO apurou que tem visto para estar em Portugal válido até 2021.

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