O rio Tejo e a Convenção de Albufeira: como Portugal e Espanha se entendem

Recentes descargas da barragem espanhola de Cedilho no rio Tejo indignaram o Governo português. E volta à ordem do dia a discussão sobre se é preciso ou não mudar as regras que regulam os rios transfronteiriços.

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A barragem de Cedillo, a última no rio Tejo do lado espanhol, há poucos dias Rui Gaudêncio

Governo diz que a gestão que Espanha fez do caudal do Tejo “não é aceitável"

No ano passado, cumpriram-se vinte anos desde a assinatura da Convenção de Albufeira. Apesar dos pedidos repetidos para que o documento que regula a gestão dos rios partilhados por Portugal e Espanha seja revisto, os dois governos ainda não acordaram quando e se isso acontecerá.

O que é a Convenção de Albufeira?
É um acordo estabelecido entre Portugal e Espanha referente às bacias hidrográficas dos rios transfronteiriços (Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana), cujo objectivo é definir um quadro de cooperação entre os dois países para “a protecção das águas superficiais e subterrâneas e dos ecossistemas aquáticos e terrestres deles directamente dependentes” e “para o aproveitamento sustentável dos recursos hídricos”.

É este acordo – cujo nome real é Convenção sobre a Cooperação para a Protecção e o Aproveitamento Sustentável das águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas, mas que é conhecido como Convenção de Albufeira por ter sido assinado nesta cidade algarvia a 30 de Novembro de 1998 – que define o regime de caudais de cada um dos rios comuns, bem como as medidas a aplicar para “mitigar os efeitos das cheias e das situações de seca ou escassez” de água.

Quando é que a Convenção de Albufeira entrou em vigor?
A 17 de Janeiro de 2000, quando os dois países trocaram “a última notificação […], comunicando o cumprimento dos respectivos procedimentos internos”.

Há excepções ao que lá está definido, em termos de gestão dos caudais?
Há, em situações de seca entra-se no chamado “período de excepção”, em que os limites definidos pela Convenção ao nível dos caudais não precisam de ser cumpridos. O documento estabelece que esse período termina “no primeiro mês a seguir ao mês de Dezembro em que a precipitação de referência sobre a bacia hidrográfica, acumulada desde o início do ano hidrológico, seja superior à média dos valores acumulados das precipitações mensais sobre a bacia hidrográfica no mesmo período”.

Que problemas são apontados à Convenção?
As associações ambientalistas têm criticado, há anos, a forma como os caudais são geridos, sobretudo dos rios Tejo e Guadiana. Isto porque a Convenção não estabelece caudais diários, mas anuais e, destes, como ainda recentemente veio dizer a proTEJO – Movimento pelo Tejo, apenas 37% estão distribuídos por trimestres ou semanas. Comparando, é o mesmo que dizer que Espanha tem de fornecer a Portugal, durante um ano, 365 bolos, mas não há nada que obrigue Espanha a entregar a Portugal um bolo por dia.

Se quiser entregar a maior parte dos bolos em duas semanas, pode (mesmo que isso signifique que os bolos vão para o lixo, porque não há capacidade para os consumir) e considera-se que o acordo está cumprido, desde que os restantes sejam entregues nesse mesmo ano.

Ambientalistas e empresas afectadas por esta distribuição dos caudais acusam as empresas hidroeléctricas, com várias barragens ao longo dos rios, de gerirem os caudais em função, exclusivamente, da sua necessidade de produzir energia, preocupando-se muito pouco com a manutenção da vida dos cursos de água.

Está prevista uma data para a sua revisão?
Na realidade, não. O texto da Convenção refere que esta tem uma vigência de sete anos, prorrogável automaticamente por períodos de três anos. Contudo, o facto de o texto original já ter cumprido, no ano passado, vinte anos, tem feito crescer as vozes para que se avance para uma revisão.

E alguns factores têm contribuído para essa probabilidade. Desde logo, uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça de Espanha, do primeiro trimestre deste ano, que anula o Plano Hidrológico espanhol do rio Tejo, por não fixar caudais ecológicos em pontos sensíveis do curso do rio, o que obriga a Confederação Hidrográfica a mudar o volume de águas a transvasar.

Depois, em Abril deste ano o Parlamento nacional aprovou, por unanimidade, um projecto de resolução a partir de propostas do PEV – Partido Ecologista Os Verdes, do Bloco de Esquerda e do PAN – Pessoas, Animais, Natureza para que seja feita a revisão da Convenção. O documento não tem força de lei, mas é uma recomendação ao Governo e do programa do novo Governo, que há poucos dias tomou posse, consta a revisão da Convenção. Além disso, sabe-se que os dois países têm conversado sobre a necessidade de rever a Convenção, mas ainda sem fumo branco à vista.

O que tem dito o Ministério do Ambiente português?
Não tem um havido grandes alterações no discurso do Ministério do Ambiente português de cada vez que alguma associação ambientalista alerta para o que diz ser a falta de água em rios como o Tejo e acusa Espanha de não cumprir a Convenção. Espanha cumpre, tem-se ouvido repetidamente do lado de cá.

Agora, o Ministério do Ambiente parece ter mudado um pouco o tom, ao referir ao PÚBLICO que a forma como Espanha tem gerido os caudais nos últimos meses “não é aceitável” e que irá propor “o incremento de mecanismos de controlo que permitam evitar no futuro situações desta natureza”.

Contudo, o ministro João Pedro Matos Fernandes já esclareceu que isto não significa pedir uma revisão da Convenção uma vez que, diz, o resultado poderia ser negativo para Portugal. O problema, segundo o responsável referiu à TSF, é que nos arriscaríamos a que Espanha pedisse uma redução dos caudais que é obrigada a manter. Sobretudo no Tejo, onde as secas, as alterações climáticas e os desvios de água do rio, como o transvase Tejo-Segura, fazem com que o rio tenha hoje menos 25% do caudal do que tinha há uns anos. Manter a mesma água, mas com mais regularidade é o objectivo nacional.

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