A modernização do Estado não passa de propaganda

A ministra precisava principalmente de responder a um programa de reformas que pura e simplesmente não existe

É compreensível que a criação de um ministério dedicado à “modernização do Estado” e à Administração Pública tenha sido acolhida com naturalidade e até um vago regozijo. O Estado português é obeso, disfuncional, macrocéfalo, volúvel aos interesses e à corrupção e, entre muitos mais defeitos, desligado do que é o território, a economia ou a sociedade portuguesa. Precisa, portanto, de ser “modernizado”. Também porque a administração pública paga o preço desta desorganização, para lá de ter problemas graves com o envelhecimento, de acusar sintomas de persistente desmotivação (que ajuda a explicar as elevadas taxas de absentismo) e de viver numa cultura organizacional onde a avaliação é confusa, a proliferação de carreiras especiais obtusa e a remuneração em muitos casos absurda.

Precisamos, portanto, de um ministério para cuidar desses problemas e Alexandra Leitão, pelo que mostrou como secretária de Estado no Ministério da Educação, teria à partida boas condições para executar esse caderno de encargos. Para o conseguir, porém, a ministra não precisa apenas de energia, determinação ou até “algum peso político”. Precisava principalmente de responder a um programa de reformas que pura e simplesmente não existe. É por isso que a sua entrevista ao PÚBLICO desta sexta-feira é decepcionante. Não por causa dela, mas pelas limitações que lhe são impostas pelo programa do Governo, ou pelos direitos adquiridos, ou pelo poder que a função pública continua a ter no país.

É por isso que, em vez de agravar as penalizações a médicos que passam atestados falsos ou ameaçar com despedimento liminar a funcionários que faltem ao trabalho sem razões exigíveis, a ministra os tenta cativar com o doce presente de mais férias caso cumpram o que lhes compete; em vez de levar a sério o excelente relatório de João Cravinho sobre a descentralização, o Governo vai fazer o mais fácil e mostrar respeitinho aos que acham que Portugal deve continuar a ser um dos poucos países desenvolvidos sem instâncias intermédias de poder administrativo; é também por isso que, em vez de conceber um programa ousado de desconcentração de organismos da administração central para onde fazem falta, a ministra encolhe os ombros dizendo que “desconcentrar um serviço é muito difícil porque as pessoas vivem em Lisboa”.

Fiquemos assim com uma certeza: a ministra vai ser competente a gerir as carreiras dos funcionários, a recensear os serviços e talvez dar um pequeno pulo em matéria de avaliação. Mas quem esperar por uma “modernização”, desengane-se. O Estado medieval que temos, hipertrofiado, distante e cego, que tantas dúvidas suscita ao primeiro-ministro como ao líder da oposição, serve demasiados interesses para de poder mudar.

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