Na maior manifestação desde a queda de Saddam, iraquianos exigem uma revolução

População cansou-se de uma classe política que acusa de ser subserviente aos EUA ou ao Irão. Entalados na guerra pela influência regional, os iraquianos empobrecem.

Saddam Hussein
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Manifestação de sexta-feira em Bagdad KHALID AL-MOUSILY/Reuters
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Dezenas de milhares de pessoas lotaram nesta sexta-feira o centro de Bagdad, para exigir a queda de toda a elite política. Foi a maior manifestação na capital iraquiana desde a queda de Saddam Hussein.

Entre quinta e sexta-feira, cinco pessoas morreram depois que as forças de segurança usarem gás lacrimogéneo e balas de borracha contra os manifestantes acampados na praça Tahrir. Pelo menos 103 pessoas ficaram feridas, disseram fontes da polícia e hospitalares.

Os protestos, em que morreram 250 pessoas no mês de Outubro, ganharam dimensão nos últimos dias, atraindo multidões de todas as divisões sectárias e étnicas do Iraque para rejeitar os partidos políticos no poder desde 2003.

Milhares de pessoas juntaram-se ao grupo acampado na praça, e esta sexta-feira, o principal dia de orações para os muçulmanos, atraiu a maior multidão de sempre ao centro de Bagdad.

A massa de manifestantes exige o afastamento da classe política, que diz ser corrupta e estar ao serviço dos interesses estrangeiros, em vez de dar resposta às privações diárias dos iraquianos.

Os protestos têm sido comparativamente pacíficos durante o dia, tornando-se mais violentos após o anoitecer, quando a polícia usa gás e balas de borracha para combater os que fazem esta revolução (como chamam os mais jovens a esta revolta).

Os confrontos têm sido mais violentos junto da Ponte da República, que atravessa o Tigre, até a Zona Verde, fortemente fortificada e onde estão os edifícios do Governo e das organizações estrangeiras - é lá acusam os manifestantes, que está uma liderança alheada da realidade e cercada de privilégios.

“Sempre que sentimos o cheiro da morte ficamos com mais vontade de atravessar a ponte”, escreveu alguém numa parede próxima.

A Amnistia Internacional disse que na quinta-feira as forças de segurança usaram granadas de gás lacrimogéneo “inéditas”, criadas à imagem das granadas militares que são dez vezes mais pesadas que as convencionais.

“Estamos em paz, mas eles disparam contra nós. Por acaso somos militantes do Daesh? Vi um homem morrer e levei com uma granada de gás lacrimogéneo na cara”, disse Barah, 21 anos, cujo rosto estava envolto em ligaduras.

"Mini-estado"

Em Bagdad, os manifestantes montaram postos de controle nas ruas que levam à Praça Tahrir e ao redor dela, redirecionando o tráfego. Os jovens varreram as ruas, muitos cantaram sobre a manifestação. Capacetes e máscaras anti-gás são agora uma visão comum.

Uma mulher empurrava o carrinho do bebé coberto com uma bandeira iraquiana, enquanto representantes de várias tribos do país acenavam faixas prometendo apoio aos manifestantes.

Mohammed Najm, licenciado em engenharia sem emprego, disse que a praça se tornou um modelo para o país que ele e seus companheiros esperam construir: “Estamos a limpar as ruas, outros trazem-nos água, ou trazem-nos electricidade, através de puxadas”. 

“É um mini-estado. Com saúde gratuita... O Estado existe há 16 anos e o que falhou foi o que fizemos em sete dias em Tahrir”, disse Najm.

Apesar da riqueza do petróleo no Iraque, muitos vivem na pobreza, com acesso limitado a água potável, electricidade, assistência médica e educação. O Governo do primeiro-ministro Adel Abdul Mahdi, em exercício há um ano, não encontra resposta para os protestos.

No seu sermão semanal, o principal clérigo xiita, o ayatollah Ali al-Sistani, advertiu para o “conflito civil, caos e destruição” caso as forças de segurança ou grupos paramilitares reprimam os protestos. Deu um sinal de apoio aos manifestantes que dizem que o Governo está a ser manipulado a partir do exterior, sobretudo pelo Irão.

“Nenhuma pessoa, ou grupo ou que tenha uma agenda, regional ou internacional, deve parte de uma agenda, ou qualquer partido regional ou internacional, pode impor a sua vontade aos iraquianos”, disse o representante de Sistani num sermão na cidade santa de Karbala, onde esta semana houve um banho de sangue.

A Reuters noticiou esta semana que uma poderosa facção apoiada pelo Irão considerou abandonar Abdul Mahdi, mas decidiu mantê-lo no cargo após uma reunião secreta com a presença de um general da Guarda Revolucionária do Irão. Uma fonte da segurança iraniana confirmou o general Qassem Soleimani, comandante de uma unidade de elite da Guarda Revolucionária, participou numa reunião na quarta-feira, para “dar conselhos”.

Muitos vêem a classe política como subserviente a um ou ao outro dos principais aliados de Bagdad, os Estados Unidos e o Irão, que usam o Iraque na sua guerra pela influência regional.

“Os iraquianos sofreram nas mãos deste bando maligno que veio em tanques americanos e do Irão. Os homens de Qassem Soleimani estão a disparar  a sangue frio contra o povo iraquiano”, disse um manifestante, Qassam al-Sikeeni.

O Presidente Barham Salih disse na quinta-feira que Abdul Mahdi se demite se os principais blocos do parlamento concordarem com uma substituição.

Porém as ruas dizem que isso não basta - querem desfazer todo o sistema político pós-Saddam, que distribui o poder e a riqueza entre os partidos sectários.

“O que muda se Abdul Mahdi se demitir? Eles encontram alguém pior”, disse Amir, barbeiro de 26 anos.

Esta sexta-feira realizaram-se protestos noutras províncias iraquianas, com a revolta já implantada também no coração xiita do país, o Sul.

Na cidade de Diwaniya, por exemplo, cerca de três mil pessoas, incluindo muitas famílias com crianças pequenas, saíram para a rua.

E manifestantes em Bassorá, rica em petróleo, tentaram bloquear a estrada que leva aos campos petrolíferos de Majnoon, mas as operações não foram afectadas.

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