Dois anos, um veleiro, 300 mulheres: a volta ao mundo para estudar o plástico no mar

A eXXpedition Round the World vai percorrer 38 mil milhas náuticas à volta do mundo para estudar o impacto do plástico nos oceanos. Ao longo de dois anos, a tripulação chegará às 300 mulheres. A primeira paragem foi nos Açores, de onde devem partir ainda esta quinta-feira.

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A ventania que se sente no Atlântico dá que pensar a Winnie Courtene-Jones. Em frente ao veleiro S.V.Travel Edge, atracado nas Portas do Mar, em Ponta Delgada, a chefe de missão da eXXpedition Round the World — que saiu de Plymouth, em Inglaterra — vaticina: “Estamos à espera de ventos favoráveis.” É o último dia que passam em São Miguel, a primeira paragem da expedição. Quando o tempo permitir, vão seguir para as Caraíbas, a próxima etapa no roteiro. No total vão ser 38 mil milhas náuticas, quatro giros oceânicos (um giro é um grande sistema de correntes oceânicas) e o Árctico, durante dois anos, com 300 mulheres. Uma volta ao mundo em 730 dias para “estudar os plásticos que poluem o oceano e outra poluição tóxica”.

Tal como nos últimos dias, a manhã está cinzenta, com chuva e vento a soprar forte. Depois do furacão Lorenzo, no início de Outubro, os Açores foram atingidos pelo Pablo, já no final do mês. A tempestade tropical criou ondas até sete metros e obrigou a encerrar algumas vias (por precaução) mais próximas do mar em São Miguel. A partida está marcada para esta quinta-feira, 31 de Outubro.

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A próxima etapa da viagem, que vai atravessar o Atlântico, durará três semanas. A mais longa será de um mês (de Perth, na Austrália, às ilhas Maurícias, em Agosto de 2020) e a mais curta de uma semana (do Tahiti às ilhas Cook, em Abril, e dos Barbados a Santa Lúcia, em Fevereiro de 2021). Serão 30 troços diferentes. A cada troço, a tripulação de dez mulheres muda. Qualquer pessoa, desde que do sexo feminino, pode participar e não é necessária experiência nestas andanças. Aliás, as interessadas ainda se podem inscrever – e apanhar o veleiro a meio. Para já, há duas portuguesas inscritas: Eliana Sequeira, que fará uma parte do percurso na Austrália, e Alice de Castro, do Porto, que participará na viagem entre Antígua e Aruba. O resultado desta abertura é “uma grande diversidade de mulheres, com backgrounds, nacionalidades, interesses e paixões completamente diferentes”, afirma. “É isso que queremos.” São cineastas, artistas, professoras, designers e até mulheres ligadas à indústria do plástico. Formações diferentes porque, “para resolver a questão dos plásticos, não há apenas uma solução” — e existe uma grande “variedade de opções para analisar de diferentes perspectivas”.

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Winnie Courtene-Jones, a chefe da missão da eXXpedition Round the World. Rui Pedro Paiva

Mas porquê apenas mulheres? Winnie explica que, em 2014, aquando da primeira expedição fundada por Emily Penn (ainda directora da actual missão), existiram dois motivos para justificar a exclusividade feminina. O primeiro passava por “encorajar as mulheres” a embarcar “na aventura”, já que “não existem mulheres suficientes na ciência e a velejar”. O segundo motivo é de foro científico, uma vez que “os químicos presentes nos plásticos podem afectar as mulheres de maneira diferente”. A também directora científica da expedição acrescenta que tal acontece devido às “diferenças na composição do corpo”: quando uma mulher está grávida ou a amamentar, “os tóxicos podem passar para o bebé”. Apesar dos motivos se manterem actuais, foi o sucesso das edições passadas que ditou a manutenção da fórmula. “Quando só tens mulheres”, diz, “o grupo é mais unido, partilha mais coisas, não há barreiras e existe mais comunicação, suporte e dinamismo”.

A bordo não faltam tarefas para cumprir: umas garantem que tudo está limpo, seja no interior ou no exterior da embarcação, outras preparam refeições, e há também quem escreva textos, grave vídeos e tire fotografias para partilhar no site e nas redes sociais. “Temos um sistema de trabalho de 24 horas, por turnos, e há sempre uma equipa acordada”, explica Winnie, apontando que na tripulação “estão sempre a olhar umas pelas outras”. Há ainda quem esteja a fazer trabalho científico e a analisar alguns dos objectos já recolhidos ao longo da expedição que começou a 7 de Outubro.

Entre os itens estão beatas que encontraram nos caminhos açorianos: “Encontrámos muitas beatas de cigarro, muitas mesmo, durante as nossas caminhadas”. A tripulação, “sempre que pode”, dá “longos passeios” pelas cidades por onde passam, até porque um dos objectivos da expedição é criar “envolvimento com a comunidade”. Durante a estadia em São Miguel, por exemplo, promoveram uma conferência num parque de ciência e uma acção de sensibilização no maior centro comercial da ilha.

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“É preciso repensar comportamentos”

Ao longo da viagem vão procurar plástico em várias zonas — e de diferentes maneiras. Apetrechadas com diferentes equipamentos científicos (como as garrafas Niskin), vão estudar plásticos “à superfície da água”, nas “colunas de água”, “nos sedimentos submarinos” e “em águas profundas”. Prevêem encontrar “bastantes coisas”, até porque o “impacto humano” está em todo o lado. “Cada ano, estima-se que cinco milhões de toneladas de plástico sejam depositadas no mar”, diz. “É um número que não conseguimos imaginar sequer, está em todo o lado.”

Tentar perceber de onde provem a maioria dos microplásticos recolhidos é outro dos objectivos, que passa também por entender que “impacto” é que estas “minúsculas partes do plástico podem ter nas pessoas”. Isso sabendo de antemão que os microplásticos podem ser “comidos por diferentes animais” e “bloquear” o seu sistema digestivo — e que as pessoas também podem ingeri-los “através da comida” e do ar.

Por isso, afirma a investigadora da Universidade de Plymouth (onde vão ser analisadas grande parte das amostras recolhidas), é “preciso repensar comportamentos”, alertando para o “paradoxo do plástico ser um material incrivelmente duradouro”, mas utilizado para objectos que “só usamos por minutos”. São necessárias, defende, “acções a todos os níveis”: indivíduos, comunidades e governos. Se os governos têm de ter uma “abordagem arrojada” para com a indústria, as pessoas “devem colocar pressão em si próprias e terem consciência da cada acção que têm”.

Apesar de não defender a “abolição” do plástico, Winnie procura promover uma “total economia circular”, em que “reciclar é uma parte, mas ainda melhor é reutilizar estes itens para outra coisa qualquer”. E, recorda, o plástico deriva de um material não renovável na natureza. “Devemos usar o petróleo para fazer algo que vamos atirar para o lixo?” questiona-se, para responder logo de seguida: “Simplesmente não faz sentido.”

Actualização: Ao P3, a organização disse que nenhuma portuguesa se tinha inscrito na eXXpedition, uma informação que se revelou incorrecta. Terceiro parágrafo corrigido e actualizado.

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