Presidente chileno demite oito ministros mas não apazigua os manifestantes

Sebastían Piñera prometeu um novo Governo para “enfrentar a mudança destes novos tempos e desafios”. Manifestantes dizem que é insuficiente e continuam a sair à rua.

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As manifestaçãos no Chile são as mais intensas desde a década de 1990 Reuters/STRINGER

Sem sinais de a contestação ao seu Governo estar a diminuir e em mais um passo de inversão de estratégia, o Presidente chileno, Sebastían Piñera, demitiu na segunda-feira à noite oito ministros para apaziguar os mais intensos protestos no país desde a década de 1990. Mas a medida não teve eco nas ruas, e Santiago voltou a ser palco de dura contestação às políticas neoliberais do Governo.

“Têm sido dias muito difíceis. Temos vivido entre a dor e a esperança”, disse Piñera. “O Chile mudou e o Governo também tem de mudar para enfrentar a mudança destes novos tempos e desafios”, continuou, depois de no sábado ter pedido aos ministros para porem os cargos à disposição e de, no domingo, ter levantado o estado de emergência.

Os ministros demitidos encontram-se entre os partidários da linha dura do Governo, os que defendiam políticas económicas neoliberais e mão pesada contra os manifestantes. Um dos afastados foi o ministro do Interior e primo do chefe de Estado, Andres Chadwick, que acusou os manifestantes de serem “criminosos” e, por sua vez, foi acusado de ser o responsável pelo número de 19 mortos nos protestos ao dar carta-branca aos militares e polícias.

Piñera ainda não tinha terminado de falar quando os manifestantes já se concentravam, esvoaçando bandeiras e gritando palavras de ordem, no centro da cidade, em frente ao palácio presidencial. A tensão subiu e a polícia disparou balas de borracha e gás lacrimogéneo. Os manifestantes, por sua vez, responderam atirando pedras e ateando uma série de pequenos incêndios nas ruas. 

À semelhança dos últimos dias, as palavras e promessas apaziguadoras não foram suficientes e os protestos propagaram-se ao resto do país: de Antofagasta a Copiapo, passando por Osorno, a Norte, e Valdivia, no Sul do país. E novas manifestações já estão convocadas para esta terça-feira, pois, diz uma sondagem da Cadem citada pela Reuters, 80% dos chilenos não vêem as propostas de conciliação de Piñera como adequadas.

E se as propostas não são suficientes e mudar os rostos não chega, o executivo deve mudar radicalmente as suas políticas, defende o presidente do Partido Socialista chileno, Álvaro Elizalde. “Mais que mudar rostos, precisamos de uma mudança de políticas. O Governo deve avançar com uma agenda social ambiciosa que responda às exigências dos cidadãos”, reagiu.

Foi o que Piñera tentou fazer, invertendo a mão – do discurso autoritário inicial para a conciliação e fazendo cedências aos manifestantes, como anular o aumento do preço dos bilhetes do metro – ao apresentar uma série de medidas para reduzir as desigualdades sociais que grassam no Chile, apesar de ser um dos países mais ricos da América do Sul.

O Presidente anunciou também o aumento do salário mínimo e o aumento dos impostos sobre os rendimentos superiores a oito milhões de pesos mensais (cerca de dez mil euros). Prometeu medicamentos mais baratos e a estabilização das tarifas de electricidade – o mercado está liberalizado, legado dos tempos do ditador Augusto Pinochet. E pediu perdão aos cidadãos, mas não chegou. 

A revolta começou com os estudantes a protestarem contra a subida do preço dos bilhetes do metro de Santiago, a capital chilena, e a contestação generalizou-se contra as políticas do Governo. Os estudantes levaram a cabo acções relâmpago nas estações de metro, com a polícia a reprimi-los. Continuaram e o Governo tentou impedi-los encerrando as estações.

Foi o rastilho para que o protesto fosse além dos estudantes e se transformasse numa contestação generalizada ao Presidente, a mais intensa no país desde a década de 1990. Piñera foi eleito em 2017, prometendo um “novo contrato social” – aumento do salário mínimo e das pensões e correcções no reduzido sistema de saúde público chileno – acabou por subir os impostos e o preço dos bilhetes do metro de Santiago. 

A desconfiança para com a classe política faz-se sentir há anos no Chile, como nota a edição para a América Latina do El País, relembrando que menos de 50% dos eleitores participaram nas eleições de 2017. Uma desconfiança, continua o jornal, que está estritamente ligada ao modelo económico neoliberal, que há décadas se implementa, com avanços e recuos, na América Latina e que produziu desconfiança para com as instituições democráticas e desigualdades que fracturam a sociedade. E a desaceleração económica, com a queda dos preços das matérias-primas, foi o golpe que faltava. 

“Os Estados protegem um modelo económico que não gera fontes de trabalho nem precisa de diminuir as lacunas de desigualdade. De modo que deixam de investir em aspectos fundamentais como a educação e a tecnologia. As instituições deterioram-se, as desigualdades crescem, e cada cidadão começa a sentir o mal-estar quando descobre como piora sua a vida quotidiana, o seu dia-a-dia”, explicou ao El País Luciana Cadahia, investigadora do Centro de Estudos Avançados Latino-Americanos nas Humanidades e Ciências Sociais. 

Milhares de chilenos desobedeceram ao recolher obrigatório e saíram às ruas, com muitos a serem detidos e alvejados. Na sexta-feira passada, mais de um milhão de pessoas marcharam pacificamente em Santiago, na maior manifestação da era democrática no país, e a capital ficou paralisada – juntou-se lhes uma greve de taxista e camionistas contra as portagens. 

ONU investiga acusações de tortura 

A primeira reacção de Piñera foi a mão dura contra os manifestantes dizendo estar-se em “guerra contra um inimigo poderoso e implacável que não respeita nada nem ninguém e está disposto a usar a violência”. Foi decretado o estado de emergência, com os militares a patrulharem as ruas num país onde o período da ditadura ainda está muito próximo.

Veículos blindados e 20 mil soldados patrulharam as cidades chilenas e surgiram acusações de abusos. Cinco cinco pessoas foram mortas no dia da grande manifestação e o Instituto Chileno de Direitos Humanos interpôs 88 queixas judiciais por violações de direitos humanos (17 dizem respeito a militares que violaram mulheres).

Mais de sete mil pessoas foram detidas e mais de mil receberam tratamento hospital, entre elas 546 por ferimentos de balas reais, diz a Al-Jazira. Pelo menos 100 pessoas, segundo o jornal The Guardian, perderam um olho ao serem atingidas por balas de borracha. 

Uma situação que levou as Nações Unidas a enviar uma equipa de investigação para analisar as acusações de abuso de força pelos militares. 

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