Grupo Vila Galé, acusado de planear resort para área reclamada por tribo indígena, garante legalidade do processo

Empreendimento é objecto de um braço de ferro entre dois órgãos do Governo brasileiro. Área encontra-se em processo de demarcação de terra indígena, mas a decisão final está nas mãos de Bolsonaro.

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O grupo Vila Galé já anuncia seu novo empreendimento na costa baiana no site: um resort all inclusive, com 467 apartamentos, a ser erguido numa terra que hoje é dos Tupinambá de Olivença.Imagens: Divulgação/Vila Galé Hotéis Vila Galé

O grupo hoteleiro português Vila Galé está a tentar construir um hotel de luxo numa área reclamada por uma tribo indígena brasileira no sul do estado brasileiro da Bahia, avançou na segunda-feira o site de jornalismo de investigação The Intercept. 

O processo é palco de um “caso inédito”, segundo escreve o site, em que “um órgão federal [do Governo brasileiro] faz lóbi sobre outro”. A saber, o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur, dependente do Ministério do Turismo), que solicitou oficialmente em Julho à Fundação Nacional do Índio (Funai, sob a alçada do Ministério da Justiça) para encerrar o processo de demarcação de uma reserva indígena no sul da Bahia, para a construção de um hotel de luxo.

A área em causa, que corresponde a 470 quilómetros quadrados, é reclamada pelo povo Tupinambá de Olivença, que luta pela demarcação oficial daquelas terras há pelo menos 15 anos, e cuja primeira fase do processo foi concluída em 2009.

A Embratur argumenta, no documento oficial enviado à Funai – órgão responsável pela protecção dos direitos indígenas no país sul-americano – que a rede hoteleira portuguesa Vila Galé tem a intenção de “viabilizar a construção de dois empreendimentos hoteleiros, do tipo resort, com 1040 leitos [camas], no estado da Bahia”, assim como pretende dar “uma ampla divulgação do Brasil em Portugal e na Europa, através do empreendimento voltado para turistas estrangeiros”.

“Desta forma, a Embratur vem à presença de vossa Senhoria [Marcelo Augusto Xavier, presidente da Funai] manifestar o seu interesse no encerramento do processo de demarcação de terras indígenas Tupinambá de Olivença, localizadas especialmente nos municípios de Una e Ilhéus, Estado da Bahia. (...) Rogamos o fundamental e imprescindível apoio para a viabilização deste importante pólo turístico”, declara o ofício.

Investimento de 45 milhões de euros

Tendo em vista o empreendimento turístico em questão, o governo do Estado da Bahia e a Prefeitura Municipal de Una firmaram com o Grupo Vila Galé um protocolo de intenções com um investimento superior a 200 milhões de reais (cerca de 45 milhões de euros), gerando mais de 500 empregos directos e 1.500 indirectos, detalhou a Embratur.

O órgão vinculado ao Ministério do Turismo frisou ainda, no documento, que o Vila Galé, assim como outros grupos e investidores, têm interesse em construir na área empreendimentos turísticos imobiliários, “compostos por um aldeamento de casas e condomínios de apartamentos residenciais, com serviços hoteleiros”.

Contudo, o pedido do órgão não se restringiu apenas aos trâmites oficiais. Segundo o The Intercept, o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, amigo de Jair Bolsonaro, usou as redes sociais para descrever o projecto como “magnífico”, acrescentando que o mesmo “conta com o apoio do Governo federal”.

Questionado pelo portal de jornalismo de investigação, a Embratur respondeu que “não tem competência para interromper a demarcação de terras indígenas”, argumentando que o documento em causa “apenas solicita a revisão do processo de maneira a garantir a segurança jurídica e estimular o desenvolvimento do turismo na região citada”.

Grupo português nega existência de reserva indígena

Ao PÚBLICO, o grupo Vila Galé afirma, por escrito, que no terreno de 20 hectares em que pretende construir o seu empreendimento “não existem indígenas (...) nem quaisquer vestígios dos mesmos”, e sublinha que o processo de demarcação de terra indígena “não está concluído”.

“Não está aprovado pelo Ministério da Justiça que tutela a Funai e muito menos pelo Presidente da República, o que é essencial. Existe uma contestação desta pretensão por parte dos proprietários que fundamentam a total inconsistência do processo. Só após aprovação formal do Presidente da República é que se poderá falar em terreno indígena”, reitera, afirmando ainda que o grupo é reconhecido “pelos seus investimentos em integral respeito pelas normas ambientais e urbanísticas e de uma forma socialmente responsável”.

Quem são os Tupinambá de Olivença? 

Segundo escreve o The Intercept, a área objecto de processo de demarcação é o lar de 4.600 nativos, além de pescadores artesanais, e a sua história remontará a 1680.

“Entre outros aspectos, [os Tupinambá de Olivença] destacam-se pela organização em pequenos grupos familiares e certos gostos alimentares, como a preferência pela ‘giroba’, uma bebida fermentada produzida por eles. Ainda que se considerem muitas vezes índios civilizados isso nunca significou um abandono de sua condição indígena”, diz o site Povos Indígenas no Brasil, pertencente à organização não-governamental (ONG) Instituto Socioambiental (ISA).

O Vila Galé é um dos principais grupos hoteleiros portugueses e é, actualmente, responsável pela gestão de 34 unidades hoteleiras: 25 em Portugal e nove no Brasil.

Notícia actualizada às 20h39 com o esclarecimento do grupo Vila Galé

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