Estes professores sub-30 são uma raridade. O que os move?
Em dia de manifestação de professores, três jovens docentes com menos de 30 anos partilham o que os motiva, preocupa e o que esperam do futuro. Reconhecem que a entrada na profissão é um desafio, mas há esperança.
Ainda não são 10h30 quando Manuel Pereira, representante da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) e director do Agrupamento de Escolas de Cinfães, atende o telefone. É hora do intervalo e, por isso, está na sala de professores. Perguntamos se conhece docentes com menos de 30 anos. A resposta é taxativa: não. Mas mesmo assim lança a pergunta ao grupo de docentes que está na sala. Do outro lado, percebe-se que ninguém se acusa. “Só vejo cabelos brancos e pintados”, brinca.
Este não é um caso isolado. O que todas as entidades contactadas pelo PÚBLICO referem é que estes jovens que estão a entrar na profissão são uma raridade. Encontrá-los, dizem, é como achar uma agulha no palheiro. E as estatísticas confirmam-no: na mais recente edição do relatório Education at a Glance, de 2019, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) estimava que só 1% dos professores portugueses tem menos de 30 anos. Por cá, o Perfil do Docente 2017/2018 também sinaliza o fenómeno e mostra que é no 3.º ciclo e ensino secundário que há menos docentes com menos de 30 anos.
A tendência não é recente, mas tem vindo a agravar-se nos últimos anos — em 2005, 16% dos docentes tinham menos de 30 anos. E não é apenas Portugal que se vê a braços com o problema. Prova disso é que o rejuvenescimento da classe e a valorização da profissão foi o tema escolhido pela Internacional da Educação — estrutura que reúne as organizações sindicais de professores de todo o mundo — para marcar o Dia Mundial do Professor, que se assinala este sábado.
Em Lisboa, a manifestação dos professores, marcada para as 14h30, também vai estar subordinada a esse tema. O protesto realiza-se anualmente e sempre na mesma data, mas este ano assume contornos distintos por coincidir com o dia de reflexão para as eleições legislativas. Por isso mesmo, a Comissão Nacional de Eleições já avisou que vai estar atenta ao protesto onde a propaganda eleitoral é estritamente proibida.
Joana Cabral, de 24 anos, é professora de Geografia no Agrupamento de Escolas Afonso de Albuquerque, na Guarda. Confessa que, por estar no início da carreira, a maioria das preocupações dos colegas não a afectam directamente, mas mesmo assim vai à manifestação. “Daqui a uns anos posso ser eu.” Mas por enquanto os sinais até são positivos. As condições da profissão “estão a melhorar”. E o envelhecimento da classe e consequente falta de professores até pode ser uma oportunidade para os mais novos. “Há mais trabalho”, garante. “Antes, era impensável haver lugares para novos professores.”
A opinião de Joana é partilhada pelos outros jovens professores ouvidos pelo PÚBLICO. Por exemplo, João Terroso, 28 anos, docente de Matemática na Escola Básica Luís de Camões, em Lisboa, acredita que o envelhecimento da classe traz “a possibilidade de alcançar estabilidade”. Mas avisa: “A carreira está a ficar cada vez mais desinteressante. É preciso investir muito.”
“O Ministério na Educação, nos próximos anos, tem de abrir mais vagas para os quadros ficarem mais estáveis”, aponta Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas. “Por isso é que esses professores podem ser ‘beneficiados’. É uma esperança que podem ter.”
Faltam docentes?
Apesar das possibilidades de evolução que se afiguram no futuro, os jovens que hoje entram na profissão ainda têm alguns desafios pela frente. “Os professores mais novos que começam agora a trabalhar estão sujeitos a uma mobilidade enorme”, resume João Dias da Silva, secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE). “Os primeiros anos são feitos fora de casa, sem nenhum apoio” e é por isso que a estrutura sindical defende uma “compensação em sede fiscal pelas deslocações”.
Filinto Lima também concorda que os professores devem beneficiar de apoios à sua deslocação. “Neste momento a falta de professores tem a ver com uma circunstância conjuntural”, explica o dirigente. É nas zonas onde as rendas são mais caras, como em Lisboa e no Algarve, que se sente mais dificuldades na contratação de docentes.
E “este não é o primeiro ano em que isso acontece”, diz o responsável da FNE. “No ano passado, durante o primeiro período houve extremas dificuldades em várias situações para conseguir professores, este ano estamos a repetir a mesma situação. Isto porque os horários são pequenos e a remuneração é diminuta” e, por isso, aceitá-los não compensa.
Ana Ferreira, 28 anos, é professora de História e Geografia no Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia. E apesar de considerar que ainda não passou por muitos estabelecimentos de ensino, já conta com cinco escolas no currículo. A dada altura ficou colocada em Loulé, no Algarve — apesar de morar em Espinho, em Aveiro —, mas não aceitou a oferta porque não conseguir encontrar casas cuja renda conseguisse suportar.
“Os professores contratados de hoje rejeitam as colocações porque não têm estabilidade financeira para suportar os custos. Isso é uma desmotivação”, nota Ana Ferreira.
A professora Joana Cabral passou o ano lectivo anterior com um horário parcial, em Almada. “Não foi muito fácil. É um meio muito diferente e estava a pagar para trabalhar.” Este ano, teve sorte — ensina a “dez minutos de casa”, na Guarda. Mas para o próximo não se sabe. “É incerto. Sou professora contratada”, nota resignada. Mesmo assim, não se assusta com a possibilidade de sair. “Eu sou muito jovem para me prender a um lugar e deixar de fazer a minha vida.”
“Ser professor é um desafio enorme”
Ana Ferreira assume que “ser professor é um desafio enorme”. Além da instabilidade associada à incerteza das deslocações há outros factores que contribuem para esse desafio. Por exemplo, “a falta de reconhecimento”, a necessidade de cativar os alunos e a imposição da presença e autoridade na sala de aula.
Mas a “vocação” acaba por sobrepor-se a tudo isso. João Terroso, o professor de Matemática que deixou o emprego estável num colégio privado para tentar a sorte no ensino público diz que “sempre quis ser professor”. “Já me imaginei a fazer outra coisa, mas foi sempre o bichinho do ensino que ficou.”
Joana Cabral também podia fazer outra coisa depois de se ter licenciado em Geografia, mas prevaleceu a vontade de ensinar. “Sempre tive um carinho especial pela profissão”, diz. Já Ana Ferreira explica que o que a motiva é a vontade de “ser uma professora inspiradora e cultivar o gosto pelo conhecimento, pela sabedoria e pela cultura”.
A presença destes jovens na escola é “fundamental”, considera João Dias da Silva, da FNE. “Não é bom na formação inicial [das crianças] que todos os professores tenham idade superior a 50 anos.”