A crise no alojamento estudantil não dorme só em Lisboa e no Porto

Portugal é dos países europeus onde os custos com habitação mais diferem entre as cidades maiores e as mais pequenas. Um pouco por todo o país, encontrar um quarto pode tirar o sono aos universitários.

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Protesto dos estudantes da UTAD em Vila Real, organizado a 19 de Setembro de 2019. Gil Rego

Os estudantes de Vila Real pegaram nos lençóis e nas almofadas e estenderam-nos no centro da cidade. Queriam arrancar o ano lectivo com uma mensagem: a crise no alojamento estudantil não dorme só no Porto e em Lisboa. Em vez disso, os anúncios a quartos colados nos quadros das universidades e politécnicos são cada vez menos na maioria das dez cidades onde o P3 falou com estudantes e associações. “Actualmente temos apenas um anúncio. É simbólico”, dizia o presidente da Associação Académica da Universidade dos Açores. “Nos últimos dois, três anos nota-se uma diferença enorme.”

“Há seis ou sete anos, os serviços de acção social da Universidade do Minho andavam a ligar aos estudantes para virem ocupar os lugares que estavam vazios nas residências, porque os preços no mercado privado eram mais baixos. O problema foi que as instituições de ensino superior, o Governo, as autarquias sempre confiaram no mercado privado para resolver esta questão. E, hoje, o mercado privado vê isto como um negócio e os preços escalaram”, exemplificava o presidente da Federação Académica do Porto (FAP), João Pedro Videira. Os estudantes de Braga e Guimarães, onde “há 13 mil estudantes deslocados” (74% da comunidade estudantil), lançaram no início do ano lectivo uma petição e um movimento, “Uma Pedra Por Mim”, para denunciar a diminuta oferta pública “de 1300 camas”.

O protesto organizado pela associação de estudantes da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD, a 19 de Setembro, lembra o da FAP, há um ano, quando a praça Gomes Teixeira, em frente à Reitoria, se encheu de tendas. Ao presidente da federação tinham chegado denúncias e pedidos de ajuda de “estudantes a dormirem nos carros”. As “situações limite”, em que estudantes “deslocados viram desalojados”, foram um grito de alerta. O alojamento a preços controlados e com condições dignas tornou-se a “causa” da federação.

Em Portugal, existem 114 mil estudantes do ensino superior público fora da sua zona de residência (42% do total). A oferta pública, em Setembro de 2019, fica-se pelas “15.965 camas a preços controlados”, algumas indisponíveis e a precisar de obras. São mais 595 em relação ao ano anterior (um aumento de 4%), anunciadas no final de Agosto. Até ao final do ano lectivo, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior  (MCTES) espera “a conclusão de obras que totalizam cerca de 720 camas”​, assegurou ao P3.

O aumento de camas é mais significativo no Porto (19%) e em Lisboa (11%), respectivamente 261 e 186, cidades onde o aumento do turismo e do alojamento local e a pressão sobre o sector imobiliário fazem escalar os preços na oferta privada. Também são as duas cidades onde, em conjunto com a região de Coimbra, existem mais estudantes deslocados, em números absolutos. Se em Lisboa e nos Açores (mais 18 camas) as entidades responsáveis pelas novas camas são as próprias universidades, o aumento das camas no Porto, Minho, Trás-os-Montes, Abrantes, Aveiro, Castelo Branco, Alentejo e Algarve deve-se exclusivamente “a um compromisso social” de entidades como a MoviJovem, o Exército, a Diocese e a Santa Casa da Misericórdia.

Para o presidente da FAP, o Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES) — além de “insuficiente” e de apresentar números “incorrectos” — “não é um instrumento muito útil para as instituições de ensino superior”. Isto porque algumas das camas aí apresentadas acabaram por não ser disponibilizadas: é o caso das vagas no Seminário do Vilar, que não estarão disponíveis no âmbito deste protocolo, já que a Universidade do Porto e a Diocese da cidade “não chegaram a acordo sobre as condições dessa cedência”, explicou o MCTES. Um quarto nesta residência de estudantes, sem acesso a cozinha, mas com limpeza geral e troca de roupas, custa 525 euros por mês, 350 se for partilhado. Valores acima da média dos quartos disponíveis no OLX e na Uniplaces — e muito acima dos valores que a FAP considera serem “justos”, uns “quase impossíveis de encontrar” 150 a 170 euros.

Segundo os dados disponibilizados pelo OLX, apenas uma das várias plataformas online que anuncia quartos para arrendar, o preço médio dos quartos desceu ligeiramente em Faro (291 euros) e em Portalegre (179 euros), entre 2018 e 2019. A subida mais acentuada foi em Bragança: passou dos 126 para os 176 euros, um aumento de 28%. A Guarda também registou um aumento de 21%, passando para os 187 euros. Lisboa é o único distrito com preços médios acima dos 300 euros (345 euros). No Porto, o preço médio por quarto nesta plataforma é de 280 euros.

Já na Uniplaces, Arroios foi a zona mais procurada em Lisboa (média de 379 euros), até Agosto. No Porto, ganham Paranhos, zona do Pólo Universitário da Asprela, Cedofeita e Bonfim. Os valores de arrendamento voltaram a aumentar quando comparados com o mesmo período de 2018: 8% na capital e 6% no Porto, uma média de 399,56 euros e 299,16, respectivamente. A startup portuguesa regista uma alta taxa de arrendamento a estudantes estrangeiros que, este ano, já são cerca de 50 mil nas universidade e nos politécnicos (13% do total). 

O estudo Os Custos dos Estudantes do Ensino Superior Português (CESTES 2) — coordenado por Luísa Cerdeira e com dados relativos a 2015/2016 — mostra que um estudante numa universidade do litoral, a arrendar um quarto (24% dos alunos) naquele ano lectivo, gastava, em média, 6844 euros por ano (com todas as despesas incluídas). 

Para este grupo, os custos de vida representavam 77% das despesas totais. O alojamento era a fatia “mais expressiva”. Para a especialista, poderá haver uma forma de “minorar o problema concedendo, ou revendo em alta, os subsídios para alojamento a estudantes bolseiros e não bolseiros para que eles possam, no entretanto, procurar alojamento nessas cidades”.

A ajuda para alojamento de bolseiros aumentou 40% no ano lectivo que agora arranca, atingindo os 174,3 euros. “Um apoio ainda muito diminuto e que tem de ser repensado globalmente”, diz a investigadora da Universidade de Lisboa. “Hoje em dia, no Porto, isso não chega para pagar metade do quarto. E estamos a falar de estudantes bolseiros que já precisam de um apoio do Estado para estar no ensino superior”, sublinha o presidente da FAP.

A primeira fase do ano lectivo 2019/2020 arrancou com mais 44.500 estudantes no ensino superior público (um aumento de 1,2% em relação ao ano anterior) e com as obras para criar mais 3219 camas a preços regulados, em todo o país. Entre 2009 e 2019, ficaram disponíveis mais 952 camas. Nos próximos quatro anos, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior anunciou que vão ser criadas 12 mil camas em todo o país. Até 2030, ficarão disponíveis 30 mil camas.

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