Eurodeputados abrem baixas na Comissão Von der Leyen com rejeição de comissários da Roménia e Hungria

Comissão do Parlamento Europeu concluiu que Rovana Plumb, indigitada para a pasta dos Transportes, e Laszlo Trocsanyi, que deveria gerir as relações de Vizinhança e Alargamento da UE, “não têm condições para exercer funções nos termos do Tratado e Código de Conduta”.

Foto
Presidente eleita, Ursula von der Leyen, tem agora de informar o presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, das medidas que pretende tomar Reuters/VINCENT KESSLER

Já há duas baixas na equipa montada pela presidente eleita da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para o próximo mandato: a comissária indicada pela Roménia, Rovana Plumb, que foi designada para a pasta dos Transportes, e o comissário escolhido pela Hungria, Laszlo Trocsanyi, a quem foi entregue a pasta da Vizinhança e Alargamento da União Europeia.

O nome da socialista romena e do conservador húngaro, ambos aliados políticos dos respectivos líderes nacionais, não passaram pelo crivo da comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu, com os eurodeputados a entenderem que nem Plumb, nem Trocsanyi, têm “condições para exercer as suas funções nos termos dos Tratados e do Código de Conduta”.

Sem o acordo prévio dos eurodeputados, nenhum dos candidatos a comissário passa à fase seguinte do processo de confirmação pelo Parlamento Europeu, de audição pública nas comissões que supervisionam as matérias referentes às pastas que lhes foram atribuídas. Essa etapa arranca no próximo dia 30 de Setembro, e prolonga-se até 8 de Outubro.

Os governos da Roménia e da Hungria ainda não reagiram oficialmente. A presidente eleita da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também ainda não respondeu à rejeição pelo Parlamento destes dois dirigentes que acolheu no seu colégio de comissários. Uma porta-voz da Comissão comentou apenas que o procedimento para a aprovação dos comissários “está suspenso” mas que tal “não significa necessariamente que um novo candidato tenha de ser nomeado”.

A luz verde da comissão dos Assuntos Jurídicos é uma pré-condição para a aprovação dos comissários indigitados pelo Parlamento Europeu: segundo o Regimento, compete aos membros daquela comissão escrutinar as declarações de interesses financeiros submetidas pelos candidatos a comissários, para apurar da existência de incompatibilidades ou conflitos de interesse, “reais ou “potenciais” no exercício das suas funções.

A documentação apresentada pela candidata romena suscitou dúvidas aos eurodeputados, que lhe escreveram a pedir esclarecimentos adicionais, e, uma vez que as suas dúvidas não foram dissipadas, a depor perante a comissão — o que aconteceu esta quinta-feira. Na mesma reunião, os membros da comissão inquiriram também o candidato a comissário húngaro. No final, os eurodeputados consideraram que a existência de conflitos de interesse impedia a confirmação de Rovana Plumb e Laszlo Trocsanyi.

Empréstimos e quotas

A comissária indicada por Bucareste não forneceu explicações convincentes sobre dois empréstimos bancários que detém — no valor aproximado de um milhão de euros — e que inicialmente não reportou na sua declaração de interesses (mas constavam numa declaração semelhante que preencheu enquanto membro do Parlamento da Roménia). Um desses empréstimos, no valor de 800 mil euros, foi usado na aquisição de um bem imobiliário, e o outro, de cerca de 180 mil euros, foi aplicado numa doação financeira ao Partido Social Democrata, a cujo conselho nacional preside.

Mas as baterias políticas já estavam apontadas a Rovana Plumb, uma antiga ministra e ex-eurodeputada, que esteve envolvida num caso de corrupção no seu país, suspeita de ter ajudado o então presidente do seu partido, Liviu Dragnea, num negócio ilegal de compra de uma ilha no rio Danúbio. Esse processo não avançou, mas Dragnea está actualmente a cumprir uma pena de três anos de prisão por um outro caso de corrupção.

Também o nome indicado pelo primeiro-ministro, Viktor Orbán, suscitou críticas imediatas aos eurodeputados, uma vez que foi Laszlo Trocsanyi que, enquanto ministro da Justiça, levou a cabo a reforma do sistema judicial que originou a abertura de um procedimento de infracção contra a Hungria, por violação do artigo 7.º do Tratado de Lisboa, relativo ao respeito pelo Estado de Direito.

Na entanto, as dúvidas da comissão dos Assuntos Jurídicos tinham a ver com o facto de Laszlo Trocsanyi deter uma quota num escritório de advogados fundado por si e que mantém uma ligação contratual ao Governo húngaro, participação essa que não fora incluída na declaração inicial. O candidato a comissário informou que suspendeu toda a actividade da sua firma desde 2007, quando foi chamado a desempenhar cargos públicos, não tendo recebido remuneração, nem dividendos e outros pagamentos. E disse que em Maio de 2018 retirou a sua participação da empresa. Mais uma vez, os eurodeputados ficaram insatisfeitos com as explicações, que na sua opinião não afastaram as suas dúvidas sobre conflitos de interesses. Os eurodeputados do Fidesz, o partido de Viktor Orbán, denunciaram esta posição como mais uma prova de que há uma “caça às bruxas” contra a Hungria no Parlamento Europeu.

Decisão é inédita

Esta não é a primeira vez que o Parlamento Europeu inviabiliza a escolha de comissários europeus, mas é a primeira vez que o “chumbo” acontece numa fase anterior à sua audição pública — na qual é feita uma avaliação política. Com a entrada em vigor de um novo Regimento, o Parlamento Europeu acrescentou este passo preliminar de análise da declaração de interesses financeiros (artigo 2.º do Anexo VII). Os eurodeputados avaliam se a documentação apresentada pelos candidatos a comissário é “exacta e completa” e se do seu conteúdo é possível “inferir um conflito de interesses”, podendo solicitar informação adicional antes de se pronunciarem.

Depois de receber as declarações, os eurodeputados identificaram “problemas” com os dados apresentados por dez candidatos, incluindo a portuguesa Elisa Ferreira, que detinha na sua carteira de investimentos títulos da Sonae SGPS (proprietária do PÚBLICO), que está inscrita como lobbyista no registo de transparência das instituições europeias. Antes mesmo de receber uma carta da comissão a perguntar se a candidata ponderaria a venda das acções, Elisa Ferreira desfez-se da sua participação — e nenhum outro impedimento foi identificado pelos eurodeputados para inviabilizar a sua audição.

Esta quinta-feira, os membros da comissão dos Assuntos Jurídicos deram por concluído o seu trabalho, validando a audição de 24 dos comissários indigitados por Ursula Von der Leyen, e vetando os nomes de Rovana Plumb e Laszlo Trocsanyi. Essa decisão será agora remetida, por carta, à futura presidente da Comissão, que deverá informar o presidente do Parlamento como tenciona proceder e quais as medidas adicionais que pretende tomar.

Sugerir correcção
Ler 13 comentários