Há um desastre climático por semana. ONU convoca países para travar a crise

O momento é de urgência. Os alertas científicos sobre os efeitos – já visíveis – das alterações climática sucedem-se, mas a acção política é insuficiente. Na próxima segunda-feira, o secretário-geral da ONU reúne na Cimeira da Acção Climática em Nova Iorque líderes de todo o mundo. Com um aviso: “Tragam planos, não palavras.” Portugal estará em destaque.

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Este é o desafio sobre o qual os líderes desta geração vão ser julgados”, “esta é a batalha das nossas vidas”, ignorar as alterações climáticas é “suicida”. A cada frase dita nos últimos meses, António Guterres sobe de tom e reforça o apelo – aos líderes mundiais, às empresas, à sociedade civil. Com a Cimeira para a Acção Climática que convocou para a próxima segunda-feira, 23 de Setembro, o secretário-geral da ONU quer que líderes de todo o mundo cheguem a Nova Iorque prontos para antecipar os seus planos – que, no âmbito do Acordo de Paris, deveriam actualizar até ao final de 2020 e anunciarem novas e mais ambiciosas metas. O objectivo: limitar, o quanto antes, o aumento da temperatura abaixo dos 1,5 graus Celsius. Segundo a ONU, os desastres climáticos estão a acontecer ao ritmo de um por semana, mas apenas alguns, como o furacão Dorian, são relatados.

“Esta cimeira é decisiva porque vamos conseguir avaliar se há expectativa de o Acordo de Paris ter resultados”, explica ao PÚBLICO Francisco Ferreira, dirigente da associação ambientalista Zero. Portugal marca presença ao mais alto nível: Marcelo Rebelo de Sousa participa na cimeira, assim como o ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes. Nesta cimeira, encarada como uma resposta à mobilização nas ruas de movimentos estudantis e activistas, Guterres terá também a seu lado Greta Thunberg. A jovem activista sueca, que viajou a bordo de um veleiro ecológico até Nova Iorque, vai discursar na Cimeira da Juventude para o Clima e na Cimeira para a Acção Climática.

Portugal classificado como “ambicioso"

António Guterres estabeleceu uma ordem de trabalhos ao jeito de competição: os países deveriam concorrer pelos holofotes, com apenas os planos mais ambiciosos a serem apresentados na cimeira.

Ao PÚBLICO, o ministro João Pedro Matos Fernandes adiantou que Portugal foi seleccionado e levará o seu Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 à sessão de Alto Nível da Cimeira Climática. Um sinal do “reconhecimento da ambição demonstrada por Portugal”, nota o ministro, que na próxima década promete intensificar a sua acção, com mais produção a partir de fontes renováveis e o encerramento das centrais a carvão.

Portugal participou ainda em sessões de trabalho das diferentes coligações nos últimos meses e subscreveu iniciativas relacionadas com emprego e transportes. “Portugal é classificado como ambicioso, comparando com outros países”, diz ao PÚBLICO João Camargo, investigador em alterações climáticas e activista do Climáximo. “Mas se todos os países seguissem a ambição de Portugal ultrapassaríamos, mesmo assim, o limite previsto pelo Acordo de Paris”, defende. Para Francisco Ferreira, a “vantagem do roteiro português é perspectivar a curto e longo prazo”.

Obstáculos à acção climática

Em 2015, aquando da assinatura do Acordo de Paris – no qual 195 países concordaram em conter o aquecimento global do planeta, reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa –, o contexto geopolítico era outro. “Havia concertação de esforços, EUA e China estavam concertados na redução de emissões. Tínhamos Obama e não Trump, o Brasil não tinha Bolsonaro”, explica Francisco Ferreira. “Agora, os EUA estão em ‘guerra’ negocial com a China, também não se dão bem com a Europa e o Reino Unido atravessa um momento de incerteza”, acrescenta.

A decisão dos EUA de rasgar o Acordo de Paris (saída que só se concretiza a 4 de Novembro de 2020, um dia depois das eleições presidenciais norte-americanas) veio desestabilizar o cenário de concertação. Os EUA, assim como o Brasil, não se têm contido na negação pública das alterações climáticas. Na semana passada, o ministro dos Negócios Estrangeiros brasileiro, Ernesto Araújo, afirmou em Washington que “não existe catástrofe climática”. Não se espera um discurso muito diferente por parte de ambos os países nesta cimeira. Donald Trump, de resto, não vai estar presente na Cimeira de Nova Iorque: a delegação norte-americana será liderada por Andrew Wheeler, um antigo lobista da indústria de carvão, actualmente administrador da Agência para a Protecção Ambiental dos EUA.

Quanto à China, o maior emissor mundial de dióxido de carbono (cerca de 30% das emissões globais, seguido dos EUA e Índia), as expectativas são prudentes. A China tem investido em energias renováveis, mas na chamada Nova Rota da Seda prevê construir uma rede global de comércio através de infra-estruturas como portos, auto-estradas, túneis e ferrovias. “O governo chinês está a encarrilar países pobres para um modelo de desenvolvimento de altas emissões. Descarboniza a China carbonizando o Sudoeste Asiático, África”, afirma João Camargo. Além disso, explica Francisco Ferreira, da Zero, “para a China já começa a pesar o esforço que se sentem obrigados a fazer face aos custos das alterações climáticas. Isso também está a mudar”, conclui.

Resposta à pressão pública

António Guterres apelou a que a União Europeia dê o exemplo e reduza as suas emissões em 55% até 2030 – uma meta mais ambiciosa do que a de 50% avançada pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que não agradou aos Verdes Europeus. Em Junho, o Conselho Europeu também não conseguiu chegar a acordo sobre uma estratégia climática histórica para 2050, face à oposição da República Checa, Estónia, Hungria e Polónia.

Ainda assim, a Europa parece estar a fazer esforços para liderar o processo. Laurence Tubiana, CEO da Fundação Climática Europeia e estratega do Acordo de Paris, já veio aludir à possibilidade de uma cimeira bilateral entre UE e China em 2020 e apelou a que a UE se comprometa com a meta de 55% de reduções de CO2 nesta Cimeira em Nova Iorque.

Para João Camargo, a cimeira pretende dar uma resposta à crescente pressão social sobretudo no Ocidente, encabeçada por jovens e activistas. “Esta cimeira é declaradamente uma resposta a isso. Até porque está fora do quadro normal institucional das negociações”, acrescenta. As expectativas são “baixas a moderadas”, diz Francisco Ferreira. “Movimentos como o Climáximo depositam pouca fé na mudança institucional”, afirma João Camargo. “Mas é um momento marcante pela mobilização social à volta, que é mais ambiciosa do que o movimento institucional.”

As próximas semanas serão, de resto, marcadas por vários momentos que querem aumentar o volume da pressão mediática. Para dia 20 de Setembro, sexta-feira, está convocada mais uma greve climática e em Nova Iorque e Washington estão previstos protestos isolados. Para dia 21, António Guterres convocou uma Cimeira da Juventude para o Clima, onde participam 500 jovens de todo o mundo. No calendário da próxima semana há ainda duas datas a reter: a divulgação do relatório completo sobre os Oceanos e Criosfera a 25 de Setembro e a greve climática global a 27. Em Portugal, os organizadores prometeram envolver sindicatos e autarquias para uma mobilização geral. 

Este artigo integra o projecto Covering Climate Now, uma colaboração global de mais de 250 organizações de media para fortalecer e dar profundidade à cobertura da crise climática.

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