As práticas comerciais desleais na segurança privada

A proibição da contratação com prejuízo apenas limita as capacidades das empresas cumpridoras na defesa das suas carteiras, e pode nem sequer reprimir a prática de preços desonestos

A Lei nº 46/2019, de 8 de julho, que vem alterar o regime do exercício da atividade da segurança privada, traz-nos uma ambição regulatória quanto à erradicação das práticas comerciais desleais que de há muito, e de forma recorrente, se suspeita existirem nesta indústria. Uma dessas práticas, agora proibida e identificada na alínea b) do artº 5º-A, é a contratação com prejuízo.

Julga-se, porém, que a tentativa de resolver os problemas desta indústria por via legislativa, afogando-a em sucessivos diplomas e sobrecarregando-a com custos de contexto indutores de ineficiência, não só não os irá resolver como lhe poderá aportar outros que até agora não existiam.

Segundo os parceiros sociais e a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), o que constrange esta indústria não são as contratações com prejuízo; são, isso sim, contratações de serviços por preços inferiores aos custos que as empresas teriam de suportar se cumprida a lei e demais disposições regulamentares. Ou seja, preços desonestos, em que a condição de uma melhor oferta assenta na manipulação ilegal de tempos de trabalho, em remunerações abaixo do fixado em contratação coletiva, ou através de pagamentos informais, sempre com a consequente sonegação de impostos e contribuições ao Estado.

Aliás, a contratação com prejuízo só se discute por via da prática de preços predatórios, em se trocam vantagens num momento presente por um poder de mercado num momento futuro. Porém, este fenómeno nunca foi detetado ou sequer referido por qualquer entidade pública ou por qualquer um dos parceiros sociais. Contratar com prejuízo ou contratar serviços cujos custos não comportam todas as obrigações legais são, convenhamos, coisas diferentes.

Mas, e uma vez inscrita na lei, importará à contratação com prejuízo o estabelecimento duma medida de custo que possa, quando confrontada com o preço, definir se um contrato é ou não celebrado com prejuízo. Como o legislador não a definiu, cumprirá aos tribunais encontrar tal medida ou a tal linha de fronteira que divide o lucro do prejuízo, a linha que separa um preço vicioso dum preço virtuoso.

E aqui se levanta a primeira grande questão. Qual a medida de custo a eleger:

  • o custo marginal, que nos devolve o acréscimo no custo total por cada unidade a mais produzida?
  • o custo variável médio, uma proxy encontrada para se substituir ao custo marginal, reconhecidas as dificuldades do seu cálculo?
  • ou o custo total médio?

Por razões diferentes, não nos parece que nenhuma destas medidas seja suscetível de cumprir a pretendida função balizadora. Desde logo porque qualquer uma das duas primeiras teriam de contar com funções de custo que as empresas, na sua esmagadora maioria, nem sequer conhece, e a última, o custo total médio, além de anacrónico seria também absurdo. Anacrónico porque só no final do exercício anual de cada empresa é que as questões podiam ser dirimidas pelos tribunais, e absurdo porque existem contingências de diferente ordem, que não as que resultam das atividades correntes das empresas, que podem concorrer para prejuízos.

Resta-nos então encarar uma última medida suscetível de determinar essa fronteira que divide o custo do prejuízo: aquela que podemos designar como o custo variável mínimo (CVmin). Este custo, que pode ser encontrado numa recomendação da ACT de 2012, e foi já proliferamente invocado até em decisões judiciais, teria a vantagem de subordinar todas as empresas por igual. No entanto, ao reduzir a sua expressão aos salários e encargos a suportar com o pessoal, exclui-se, desde logo, como determinante na separação do custo e do prejuízo. Não se vislumbram decisões de tribunais amparadas num parâmetro que despreza custos, alguns dos quais decorrentes de imperativos legais, quando estão em causa anulações de contratos e coimas elevadas. Isto sem prejuízo desta medida poder ainda ser considerada como um preço mínimo, conceito que contende com a promoção e estímulo da concorrência, pedra de toque de todas as diretivas da EU quanto à contratação pública.

Assim, resta concluir que a proibição da contratação com prejuízo apenas limita as capacidades das empresas cumpridoras na defesa das suas carteiras, e pode nem sequer reprimir a prática de preços desonestos. Afinal, os preços desonestos estribam-se na ilegalidade das retribuições, tempos de trabalho e impostos, e não em prejuízos.

Por fim, a venda com prejuízo não implica faltas no cumprimento das obrigações das empresas – apenas as potencia – assim como vendas acima do limite do prejuízo não garantem o cumprimento dessas obrigações. Portanto, o cumprimento com os salários e encargos do pessoal não depende do preço; em último caso dependerá da eficácia inspetiva das equipas multidisciplinares que
venham a ser constituídas - também anunciadas neste diploma e em que se estranha a ausência da Segurança Social - e, certamente, de medidas de repressão que não compensem os riscos.

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