Um sistema alimentar em xeque

O diagnóstico é claro – o sistema alimentar global é desequilibrado, injusto e está a prejudicar a nossa saúde, o clima, a natureza e a degradar a própria capacidade de produzir alimentos.

Será possível alimentar a crescente população mundial de forma justa e sustentável? Esta é uma questão há muito colocada, sem resposta unívoca. Os cientistas do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) apresentam mais uma variável para o problema – a relação recíproca entre o sistema alimentar e as alterações climáticas, num relatório sobre o uso do solo e alterações climáticas, lançado no início de agosto. As alterações climáticas que presenciamos resultam da emissão de gases com efeito de estufa, decorrentes, na sua maioria, do uso de combustíveis fósseis. No entanto, cerca de 23% do total das emissões devem-se ao uso que fazemos do solo. Este relatório resume o que sabemos sobre a absorção e emissão de gases com efeito de estufa pelo solo, agricultura e florestas bem como os impactos das alterações climáticas nestes sistemas fundamentais para a nossa sobrevivência. O diagnóstico é claro – o sistema alimentar global é desequilibrado, injusto e está a prejudicar a nossa saúde, o clima, a natureza e a degradar a própria capacidade de produzir alimentos.

Este sistema alimentar é injusto pois enquanto 821 milhões de pessoas no mundo estão subnutridas, mais do dobro destas sofrem de excesso de peso ou obesidade. Entre 25 a 30% da comida produzida é desperdiçada o que representa algo entre 8 a 10% do total das emissões de gases com efeito de estufa! As emissões do sector têm vindo a aumentar devido principalmente ao aumento da desflorestação, do uso de fertilizantes e da produção de bovinos. As alterações climáticas, por sua vez, têm repercussões severas na agricultura, aumentando os riscos de degradação do solo, desertificação (que se refere à perda progressiva da capacidade do solo produzir) e prejudicando globalmente a produção de alimentos.

O relatório do IPCC apresenta e analisa o impacto de diferentes cenários representativos de futuras condições socioeconómicas globais. Um destes cenários assume pressupostos de uma sociedade mais sustentável – um crescimento moderado da população (com um pico de 8.5 biliões de habitantes em 2050), regulamentação eficaz sobre o uso do solo, o fim do desperdício alimentar e uma alimentação global com baixo consumo de carne. Neste cenário é possível garantir a alimentação equilibrada da população em crescimento, com diminuição da área agrícola e com controlo das emissões, libertando ainda solo agrícola para contrariar a atual perda de ecossistemas e de biodiversidade.

Neste momento temos uma base robusta de conhecimento para tomar as opções mais corretas. Quanto mais tempo demorarmos, maiores serão os riscos e os custos e menor será o potencial de adaptação e mitigação das medidas propostas. É urgente adaptar as políticas para atingir estes objetivos. Uma boa hipótese na nossa região do mundo seria fazer uso da bem estabelecida Política Agrícola Comum (PAC) e do seu orçamento disponível, no entanto, a recente revisão da PAC parece desperdiçar o seu grande potencial para atingir objetivos de sustentabilidade social e ambiental, falhando o apoio aos agricultores para uma real adaptação às alterações climáticas e mitigação das emissões do setor. Este é apenas um exemplo de como o poder político não está a conseguir responder de forma atempada aos desafios atuais. A sociedade tem de exigir medidas urgentes e eficazes que nos permitam desviar dos cenários de catástrofe e nos encaminhem para o cenário de sustentabilidade global, através da implementação de soluções de adaptação e mitigação não apenas no sector energético mas também do uso do solo, alimentação e florestas.

Está planeada para este mês de setembro a primeira ação de luta global contra as alterações climáticas, na qual todos os cidadãos são chamados para se juntarem aos movimentos iniciados pelos estudantes. Uma semana de ação acompanhará a Cimeira do Clima das Nações Unidas e culminará numa greve mundial pelo clima no próximo dia 27 de setembro. A mudança é inadiável e somos todos chamados a exigi-la!

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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