O imperativo de conhecer a geologia de Portugal – um mundo infestado de demónios

Um país que não conhece o seu território, e designadamente a sua geologia, estará sempre destinado à ignorância e ao atraso económico e civilizacional.

Carl Sagan, figura de referência mundial na divulgação da ciência e na forma como ela pode ser comunicada ao público em geral, dedicou o seu último livro em vida, denominado Um Mundo Infestado de Demónios, à perda da consciência da ciência na sociedade moderna e ao crescimento de uma nova forma de mitologia, algumas vezes revestida de um suposto carácter científico, como é caso da astrologia ou outros movimentos para-científicos. A astrologia terá, à partida, um papel relativamente inócuo, no entanto esta “doença da ignorância” tem alastrado e começa a atingir patamares relativamente graves, designadamente com movimentos que defendem que o planeta Terra é plano, movimentos que defendem o fim da vacinação na população, bem como outras situações completamente bizarras.

Escusado será de referir a importância que a ciência e o conhecimento científico têm e tiveram na forma como gerimos o planeta, ou como a civilização conseguiu conter o buraco de ozono na atmosfera, ou ainda como foi identificado o fenómeno das alterações climáticas, assim como nas tentativas atuais para limitar os impactes decorrentes das mesmas.

A pesquisa e prospeção geológica é um dos ramos da geologia, sendo eventualmente a mais antiga e que mais tem contribuído para o conhecimento do nosso planeta, nas mais diversas vertentes. É a pesquisa e prospeção geológica que tem fornecido os dados que conseguiram explicar a deriva continental (criação e desmembramento dos continentes). É da geologia que decorrem os dados capazes de datar as diversas formações geológicas e consequentemente fundamentais para explicar o surgimento e evolução da vida na terra e mais concretamente dos organismos multicelulares, desde o Câmbrico, há mais de 500 milhões de anos, bem como au número incontável de fenómenos e de teorias cientificas que explicam todo o nosso organigrama de conhecimento, quer sobre a Terra, quer sobre a Vida na Terra.

Os registos climatéricos têm cerca de 200 anos de medições, pelo que um estudo e análise das diversas variações do clima no planeta Terra estão sobretudo dependentes dos estudos com origem na geologia, designadamente das sondagens efetuadas nas calotes de gelo e nos registos obtidos nas diversas estruturas geológicas.

É perante este cenário que parece difícil de compreender que exista uma certa resistência à realização de trabalhos de pesquisa e prospeção geológica, ainda que tenha como objetivo principal a identificação de novas estruturas mineralizadas (jazigos e jazidas mineiras). Uma explicação, possível, poderá residir na existência de uma certa paraciência na forma como é olhada a Terra, sendo considerado como algo de carácter mitológico e não científico. Por outro lado, talvez a explicação mais lógica seja a mais simples, isto é, o desconhecimento que os cidadãos poderão ter do papel da geologia, como ciência, no conhecimento do nosso planeta. Será assim importante que haja uma aposta na explicação e divulgação do que é a geologia como ciência, papel que caberá, em primeiro lugar, aos geólogos e aos engenheiros de minas, bem como às instituições de ensino e de investigação.

A pesquisa e prospeção geológica é sempre o primeiro passo na criação e desenvolvimento de qualquer projeto mineiro, servindo de base a todas as tomadas de decisão, com vista à correta avaliação da decisão mineira, incluindo-se, também, a decisão mais comum e provável que é da sua não viabilidade, quer geológica, técnica, económica, ambiental e social.

É perante toda esta informação que o Estado, caracterizado nas diversas vertentes, estará em condições de atribuir concessões de exploração, isto é, saber os detalhes de toda a lavra mineira, tratamento dos minérios, impactes ambientais, detalhes económicos e ter em sua posse um plano de fecho de mina, devidamente sustentado e que indique como ficará o território após a conclusão da exploração.

Um país que não conhece o seu território, e designadamente a sua geologia, estará sempre destinado à ignorância e ao atraso económico e civilizacional.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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