Kumbia Queers: esta cumbia tem tropical-punk, festa e protesto

A banda argentina estreia-se em Portugal esta quarta-feira no Musicbox, em Lisboa, e vem com novo álbum.

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As Kumbia Queers conheceram-se por causa da música rock, mas juntaram-se para ir além dela. Tudo começou em 2006, quando seis riot grrrls (hoje cinco) se cruzaram no Festival de Mujeres Rebeldes Belladona, em Buenos Aires. “Não se estava a passar nada de divertido no rock e no punk”, o que as levou a experimentarem tocar cumbia, um dos géneros musicais mais fortes e distintivos da América Latina.

Começaram por fazer versões cumbia-rock de canções de Madonna, Black Sabbath, Ramones e The Cure, cujas letras alteravam para lhes dar uma roupagem queer e feminista bem-humorada: La isla bonita de Madonna virou La isla con chikas, Iron man dos Black Sabbath tornou-se na Chica de metal. Passados alguns anos, as Kumbia Queers editaram as primeiras músicas originais. E, em 2019 chegaram ao quinto álbum, La Oscuridad Bailable, que apresentam esta quarta-feira, às 22h30, no Musicbox, em Lisboa, espaço cuja programação tem dado destaque, de forma consistente e regular, à cumbia e a outras sonoridades latinas.

Nascida no século XVII na Colômbia, entre os africanos escravizados e a população indígena, a cumbia foi-se desdobrando em várias ramificações e subgéneros pelos países da América Latina. Inicialmente, as Kumbia Queers aproximaram-se da cumbia sonidera, estilo muito popular no México, e da cumbia bichera, “uma cumbia mais austera, sem tantas percussões, com uma formação parecida à de uma banda rock”, explica a guitarrista Pilar Arrese ao PÚBLICO. “A partir daí fomo-nos apaixonando por outras cumbias que ouvimos enquanto viajávamos pelo México e pela Colômbia.”

Para elas, e tendo em conta os preconceitos que lhe estão associados, “tocar cumbia é mais punk do que tocar punk”. Apesar de ter conhecido uma considerável projecção internacional nos últimos anos, muito graças a uma nova geração de artistas, e de a música latina estar a ter os seus dias de fama, ganhando terreno à anglo-saxónica, a cumbia ainda é “considerada um ritmo menor”, “muito associada à alegria e à festa porque é frequentemente usada para casamentos e entretenimento”, aponta Pilar. O facto de serem uma banda só de mulheres a tocar cumbia, com os seus próprios instrumentos, desafia a norma. “Em geral, o lugar da mulher é como vocalista, coro ou bailarina.”

Ainda assim, as Kumbia Queers não cortaram relações com o punk. Há provas disso no novo disco, em canções como Viral. La Oscuridad Bailable é tropical-punk onde cabem guitarras, cumbia de diferentes declinações, hip-hop, electrónica (e quando não há punk na música propriamente dita, há uma postura que vem de lá). Para elas, traçar ligações entre o punk e a cumbia é um assunto complicado – “são [géneros] tão globais que não há só um punk e só uma cumbia” –, mas admitem que ambos “vêm das margens” e que “têm um profundo espírito de protesto”, refere a vocalista e charanguista Juana Chang.

E é também esse lado do protesto e da militância que faz mover as Kumbia Queers. Seja em festivais, bares, encontros feministas, marchas de orgulho LGBTI, lares de idosos, casas okupa ou escolas públicas, elas cantam contra a violência machista, a LGBTIfobia e, com este álbum, contra a direita conservadora que “está a chegar ao poder em todo o mundo”. “Acreditamos que a violência contra as mulheres, a homofobia e o racismo estão a multiplicar-se a nível global”, afirma Pilar Arrese. Nos concertos, porém, não se esquecem de que também estamos aqui para nos divertir. “Queremos passar um bom bocado e tratar de fazer um mundo melhor.”

Essa luta passa tanto pela Argentina, onde vivem actualmente, como pelo resto da América Latina. “Há um movimento muito grande de mulheres cisgénero, trans, travestis e homossexuais que saem à rua e se juntam em assembleias por todo o lado”, diz Juana Chang sobre a actual resistência feminista naquela parte do continente americano, que já produziu alguns resultados. “Deixaram de se naturalizar muitos comportamentos que antes eram normalizados. Ao nível dos direitos, há uma forte luta pelo aborto legal. Já houve alguns avanços, como a lei da identidade de género e o casamento homossexual”, acrescenta a vocalista das Kumbia Queers, que já tocaram em marchas do influente movimento feminista Ni Una Menos, criado na Argentina em 2015 para denunciar as altas taxas de feminícidio na região (e não só). “Ainda há muito por fazer. É um caminho longo mas estamos aqui de corpo e alma.” Um “tsunami de alegria e libertação”, eis as Kumbia Queers.

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