Carta a Pinharanda Gomes, no dia da sua morte

Escusado será aqui recordar-te tudo o que te devemos: não apenas enquanto Historiador mas, acima de tudo, enquanto Filósofo. Nesse plano, as nossas afinidades e cumplicidades sempre foram imensamente maiores do que as nossas diferenças

Caríssimo Pinharanda

Recebi há pouco a notícia da tua morte. Apesar de não ter sido inesperada, ainda não a digeri. Lembro-me apenas da nossa última conversa, onde combinámos, a 7 de Outubro, comemorar, com todos os teus Amigos (e são muitos, como sabes), o teu octogésimo aniversário.

Sei que estes últimos meses foram penosos. Ainda tenho presente quando, no início do ano, me disseste que, por razões de saúde, não irias a mais nenhum evento público. Mas foste recuperando e estiveste presente, no dia 10 de Maio, na Homenagem a João Bigotte Chorão, decerto um dos teus Amigos maiores. E, mais recentemente, no Porto, a 25 de Junho, para lançares mais um livro teu: Leonardina – Estudos acerca de Leonardo Coimbra.

Por falar em livros: sei que ainda viste, na cama do hospital, o livro que resultou do II Festival Literário Tabula Rasa, onde recebeste, em 2017, o mais do que merecido Prémio “Vida e Obra”, sucedendo ao teu conterrâneo Eduardo Lourenço. E quanto ao teu outro livro Álvaro Ribeiro: Mestre da Arte de Filosofar, fica tranquilo: o Elísio Gala está a fazer a revisão final, mas lançá-lo-emos no dia 7 de Outubro. Fica, desde já, combinado.

Já não me lembro de todo da primeira vez que nos cruzámos. Eu já te conhecia antes, enquanto Autor, apesar de, na Universidade, ainda hoje seres um nome incómodo, o que sempre te fez sorrir. Mas até nesse plano houve um justo reconhecimento final, com a atribuição do Doutoramento Honoris Causa no ano passado, na Universidade da Beira Interior. Fico feliz por teres tido ainda esse reconhecimento, apesar de saber que não ligavas mesmo nada a esses títulos. Costumo dizer que a humildade é uma virtude suspeita até prova em contrário: ora, tu sempre foste uma das provas maiores em contrário que conheci.

Escusado será aqui recordar-te tudo o que te devemos: não apenas enquanto Historiador mas, acima de tudo, enquanto Filósofo. Nesse plano, as nossas afinidades e cumplicidades sempre foram imensamente maiores do que as nossas diferenças. Sempre nos uniu esse amplo e profundíssimo amor à nossa Língua, História e Cultura. Por isso, quando tive que partilhar a notícia da tua morte com os teus Amigos, escrevi apenas: “A Pátria Lusófona está de luto: Pinharanda Gomes (16.07.1939 – 27.07.2019)”. Não consegui dizer que morreste… Até dia 7!

Sugerir correcção
Comentar