Boris Johnson criou um novo estilo de eurocepticismo como correspondente em Bruxelas

O novo primeiro-ministro britânico é bem conhecido em Bruxelas pelos anos que passou lá como correspondente do jornal Daily Telegraph. Nesses anos da Comissão Europeia de Jacques Delors lançou sementes para o “Brexit” que agora terá de colher.

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"Johnson fez o que 30 anos depois as pessoas chamam notícias falsas e provocação", disse Pascal Lamy Benoit Tessier/REUTERS

O que Boris Johnson escrevia no Daily Telegraph era um pesadelo para a Comissão Europeia de Jacques Delors (1985-1995). “Itália falha em medir preservativos” ou “O Plano de Delors para governar a Europa” foram duas das notícias que marcaram os seus cinco anos como correspondente em Bruxelas, o epicentro da burocracia europeia no início da década de 1990.

Com a primeira notícia, transformou uma mera regulação sobre segurança de preservativos num debate sobre o tamanho aquém da média europeia dos pénis dos italianos. Na segunda, o agora primeiro-ministro britânico denunciou um suposto esquema de Delors para dominar o continente indo além de Maastricht na integração europeia. Esta notícia foi publicada pouco antes do referendo dinamarquês sobre o Tratado, em 1992, e acabou esgrimida como prova dos intentos dominadores de Bruxelas.

O trabalho do jornalista Boris Johnson lançou as sementes para que florescesse no Reino Unido muito do eurocepticismo que produziu o referendo sobre o “Brexit" em 2016, em que ele foi um dos líderes da campanha pela saída do seu país da União Europeia. Johnson ‘revolucionou’ a cobertura em Bruxelas ao transformar pequenas e aborrecidas histórias sobre regulação europeia em notícias de primeira página. Fazia-o deixando implícito que o projecto europeu era a grande ameaça à soberania do povo britânico. 

Pressionados para seguirem a abordagem de Johnson, os seus colegas escreveram notícias a comparar os pénis dos alemães e franceses e no referendo dinamarquês o “não” acabou por vencer. A integração política nunca mais acompanhou a económica. E Johnson saiu vencedor, ao ter o impacto que sempre almejou. A carreira política foi lançada pelo sucesso como correspondente.

“Era o supremo do exagero, da distorção e das mentiras. Era um palhaço, mas com sucesso”, recordou ao Guardian Willy Hélin, antigo porta-voz da Comissão Europeia. “A quantidade de tretas” escritas por Johnson ainda o exaspera. O estilo da sua prosa, a abordagem, as piadas subtis, típicas do humor britânico, e o descuido – para dizer o mínimo – pelos factos elevou a um novo patamar as notícias eurocépticas que vinham de Bruxelas.

“Johnson fez o que 30 anos depois as pessoas chamam notícias falsas e provocação”, disse ao Financial Times Pascal Lamy, antigo chefe de gabinete de Delors. “Não pensámos que seria perigoso”. Agora que a UE está atenta ao perigo das fake news, Johnson é primeiro-ministro, e dirige um complicado processo de saída de um país do bloco europeu, algo nunca antes tentado. Bruxelas está avisada. “Boris era um disruptivo, o criador de um novo estilo” de eurocepticismo, conclui Lamy. “O problema é que foi muito bem-sucedido”. 

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