Morreu a artista Marisa Merz, a única mulher do movimento Arte Povera

Levou para a arte, e para o avant-garde da Arte Povera, os materiais e as reflexões do espaço doméstico, conotado com o feminino. Leão de Ouro da Bienal de Veneza, a sua grande retrospectiva museológica só chegou aos 90 anos. Morreu sexta-feira aos 93 anos.

Fotogaleria
Marisa Merz Fondazione Merz,Fondazione Merz
Fotogaleria
"O Céu e um Grande Espaço", a exposição dedicada a Marisa Merz em Serralves Nelson Garrido
Fotogaleria
"O Céu e um Grande Espaço", a exposição dedicada a Marisa Merz em Serralves Nelson Garrido
Fotogaleria
"O Céu e um Grande Espaço", a exposição dedicada a Marisa Merz em Serralves Nelson Garrido
Fotogaleria
"O Céu e um Grande Espaço", a exposição dedicada a Marisa Merz em Serralves Nelson Garrido
Fotogaleria
"O Céu e um Grande Espaço", a exposição dedicada a Marisa Merz em Serralves Nelson Garrido
Fotogaleria
"O Céu e um Grande Espaço", a exposição dedicada a Marisa Merz em Serralves Nelson Garrido

A artista italiana Marisa Merz, única mulher protagonista na emergência do importante movimento da Arte Povera, morreu sexta-feira aos 93 anos em Turim, onde vai a sepultar esta terça-feira. Só começou a criar arte aos 40 anos e em 2013 recebeu o Leão de Ouro de Carreira na Bienal de Veneza. O reconhecimento de uma grande retrospectiva museológica em nome próprio só chegou aos 90 anos e passou por Portugal – Marisa Merz: O céu é um grande espaço inaugurou a programação do Museu de Arte Contemporânea de Serralves em 2018.

Nascida em Turim em 1926, Marisa Merz distingue-se como escultora logo na exposição inaugural do movimento Arte Povera que emerge no norte de Itália em 1968 — uma afirmação artística que convoca para a disciplina os materiais quotidianos, dos trapos aos fragmentos de alumínio ou plásticos, objectos encontrados, industriais, bases não-nobres resgatadas das ruas ou do dia-a-dia. A sua carreira foi galardoada com o Leão de Ouro no mesmo ano em que Veneza também distinguiu o trabalho da artista austríaca Maria Lassnig. Merz foi reconhecida pela “linguagem pessoal na qual a pintura, a escultura e o desenho dão forma a imagens aparentemente arcaicas e primordiais. Estes ícones contemporâneos e rostos estilizados emergem como aparições divinas”, escreveu na altura o conselho presidido por Paolo Baratta, e por se ter distinguido “pela sua reflexão sobre o reino doméstico e as técnicas manuais estereotipicamente associadas ao trabalho feminino”.

Os primeiros anos de vida de Marisa Merz são algo obscuros para a imprensa — e, na verdade e como detalha o Art Newspaper, o resto do seu percurso é marcado pelo seu desejo de privacidade e discrição. Sabe-se que era filha de um funcionário da Fiat, empresa central na vida de Turim, e que se casou com o artista Mario Merz (1925-2003), muito mais amplamente reconhecido, em 1960. O seu funeral decorre esta terça-feira na Igreja de San Lorenzo, sempre em Turim, a sua cidade.

A sua linguagem de eleição era a escultura e a instalação, mas não só — desenhava e pintava. A sua obra e método, como assinala o diário italiano Corriere della Sera, fazia do espaço privado público — trabalhava e expunha também no seu atelier, trazia a vida caseira para o terreno artístico. Teve reconhecimento local, com exposições em nome próprio na galeria Gian Enzo Sperone, conhecida pelo seu apoio aos movimentos mais radicais das artes do século XX, logo em 1967.

Foto
A artista raramente baptizava as suas peças Renato Ghiazza

Um ano depois, a mostra em que o curador Germano Celant cunharia o termo “Arte Povera” eclodia em Amalfi e o seu trabalho, como o de Mario Merz, Michelangelo Pistoletto, Giovanni Anselmo, Luciano Fabro, Jannis Kounellis, Giulio Paolini, Pino Pascali, Alighiero Boetti, Gianni Piacentino,  e Gilberto Zorio, estava lá. Na praia, as suas esculturas com mantas e fio de cobre eram então a única expressão de uma mulher na mostra organizada pelos coleccionadores Marcello e Lia Rumma. Ao longo da sua carreira participou em duas edições da Documenta, a exposição de arte contemporânea alemã em Kassel, e integrou a Bienal de Veneza em 1988, que em 2001 lhe atribuiria o importante Prémio Especial do Júri. O seu trabalho constou de mostras temáticas em museus de renome internacional como o Guggenheim de Nova Iorque, a Tate londrina, o Centre Pompidou de Paris ou Stedelijk de Amesterdão.

Mais recentemente, um novo fulgor faz o seu trabalho viajar para exposições em nome próprio em vários países, nomeadamente a mostra homónima na Serpentine londrina em 2013 ou a grande retrospectiva Marisa Merz: O céu é um grande espaço, originária do braço do Museu Metropolitan de Nova Iorque para a arte moderna e contemporânea, o Met Breuer. Essa antológica estreou-se na Europa no Porto depois de ter passado também por Los Angeles e rumado ao Museu de Arte Moderna de Salzburgo, na Áustria. Havia nela uma “intersecção entre a arte e a vida que se tornou tão central à prática contemporânea. O corpo da sua obra, desafiadora e evocativa, é profundamente pessoal, tanto uma resposta à sua própria experiência, como à história da arte e à atmosfera contemporânea de Turim e da Itália do pós-guerra”, como escreveu Connie Butler, curadora da exposição O céu é um grande espaço.

Trabalhava a várias escalas, das instalações de grande dimensão aos pequenos rostos e crânios que esculpiu nas décadas de 1980 e 90. A exposição americana foi mais um convite à reavaliação da obra de Marisa Merz e o crítico da revista New Yorker Peter Schjeldahl classificou-a mesmo como “a artista mais vivaz num movimento muitas vezes desfigurado por pretensões intelectuais e poéticas”. Marisa Merz tinha “uma perspectiva única feminina, usando muitas vezes técnicas tradicionalmente domésticas como o tricô ou os entrançados, e fazendo referências directas à vida doméstica e à maternidade nas suas esculturas e instalações”, escreve Naomi Rea, editora do site especializado ArtNet, no seu obituário.

Sugerir correcção
Comentar