Morreu Yukiya Amano, líder da agência que vigiou o programa nuclear do Irão

O japonês estava doente e planeava anunciar a sua saída esta segunda-feira. Amano estava no topo da Agência Internacional de Energia Atómica desde 2009 e foi fundamental para a assinatura do acordo histórico com o Irão em 2015.

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Amano tinha 72 anos e esperava-se que anunciasse a sua renúncia esta segunda-feira Reuters/Heinz-Peter Bader

A Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) anunciou esta segunda-feira a morte do seu secretário-geral, o japonês Yukiya Amano. O líder da agência estava a mais de um ano do final do mandato, mas uma doença levou-o a preparar a reforma antecipada, que deveria ser anunciada esta semana.

Num curto comunicado sobre a morte de Amano, a direcção da agência partilhou uma mensagem que o secretário-geral escreveu na carta de renúncia que enviou ao Conselho de Governadores, que deveria ser divulgada ainda esta segunda-feira, segundo a agência Reuters.

“Ao longo da última década, a agência obteve resultados concretos no seu objectivo de ‘Átomos para a Paz e o Desenvolvimento’, graças ao apoio dos Estados-membros e à dedicação dos funcionários. Estou muito orgulhoso dos nossos sucessos e muito agradecido aos Estados-membros e aos funcionários da agência”, disse Amano. A agência não avançou pormenores sobre a doença do japonês.

Numa reacção publicada no Twitter, o secretário-geral da ONU, António Guterres, lamentou a morte de Amano e disse que o japonês deu “contribuições notáveis para o uso pacífico da tecnologia nuclear”, destacando também “o seu compromisso com o multilateralismo”.

Sucesso e descalabro de um acordo

Aos 72 anos e na liderança da AIEA desde 2009, Yukiya Amano sucedeu ao egípcio Mohamed ElBaradei para liderar a agência em anos de intensas negociações sobre o programa nuclear do Irão.

Após anos de avanços e recuos, o sucesso chegou em 2015 com a assinatura do histórico acordo entre o Irão e o grupo dos 5+1 (EUA, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha), que restringia quase ao mínimo a capacidade do Irão para desenvolver armas nucleares, pelo menos até 2030.

Mas Yukiya Amano assistiu também ao início do fracasso desse acordo, quando o Presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou que o país deixava de reconhecer a validade do documento. O anúncio, feito em Maio de 2018, deu início a uma fase de grande tensão entre os EUA e o Irão e pôs em causa a capacidade dos parceiros europeus, da China e da Rússia para manterem o acordo vivo sem a participação norte-americana.

Para além da aproximação ao Irão, o secretário-geral da AIEA tentou também aproveitar a melhoria das relações entre os EUA e a Coreia do Norte para voltar a pôr inspectores internacionais no país, o que não acontece desde 2009. Um objectivo que está a ser negociado entre Washington e Pyongyang desde Abril de 2018, quando Donald Trump e Kim Jong-un se encontraram numa cimeira em Singapura.

"Muito significativo"

O japonês destacou-se no topo da AIEA com um tipo de liderança diferente da do seu antecessor, assente num secretismo quase total e na elaboração de relatórios muito críticos em relação ao Irão. Foram as suas análises pormenorizadas sobre a natureza militar do programa nuclear iraniano que serviram de base aos EUA e restantes países para a pressão que levou à assinatura do acordo em 2015.

Por causa disso, os seus críticos acusavam-no de estar ao lado dos EUA durante as negociações. Em resposta, afirmava que a AIEA é uma agência técnica e não política.

O segundo mandato de Amano terminaria em Dezembro de 2021, mas nos últimos meses tornou-se claro que o japonês sairia do cargo mais cedo, fragilizado por uma doença. A saída estava agendada para Março do próximo ano e o anúncio dessa saída poderia ser feito esta segunda-feira.

Na semana passada, quando se soube que Yukiya Amano iria retirar-se mais cedo da liderança da agência, o conselheiro de política nuclear Ian Stewart, do King’s College de Londres, salientou a importância do japonês, numa mensagem publicada no Twitter: “Isto é muito significativo. Amano parecia estar disposto a continuar [na AIEA] por tempo indeterminado, e trouxe uma abordagem muito particular à agência”, disse o especialista.

Não há nenhum nome consensual para a sucessão de Amano, nem os estatutos prevêem a substituição de um secretário-geral neste tipo de casos: “Nunca um secretário-geral da AIEA renunciou por não conseguir trabalhar por motivos de saúde. Os estatutos da AIEA nada dizem sobre isso”, disse à Bloomberg Tariq Rauf, o antigo coordenador de políticas da agência.

Questionada pela Reuters, a direcção da AIEA disse apenas que está “em comunicação” com os membros do conselho da agência.

A liderança interina foi entregue à vice-secretária-geral, Mary Alice Hayward, mas é provável que o sucessor definitivo venha a ser escolhido entre o embaixador argentino na AIEA, Rafael Grossi, e o coordenador da agência, o romeno Cornel Feruta.

O calendário dessa escolha deverá ser estabelecido numa reunião dos 35 países que fazem parte do conselho da agência, marcada para 9 de Setembro em Viena, na Áustria.

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