Financiar a ciência

Melhorar e aumentar a ciência passa pelo crescimento do financiamento em diferentes linhas estratégicas, sendo uma das principais o apoio às Unidades de I&D, que corresponde a uma parte importante da ação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

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Helena Pereira, presidente da FCT, com primeiro-ministro António Costa e ministro da Ciência Manuel Heitor António Cotrim/LUSA

As Unidades de I&D (Investigação e Desenvolvimento) são um dos pilares da ciência em Portugal. Elas dão enquadramento aos investigadores e aos seus projetos e, através de um financiamento sustentado, plurianual, garantem estabilidade ao sistema científico. Com uma conceção inovadora, criadas pela vontade e sob a responsabilidade dos investigadores, as Unidades de I&D têm contribuído de modo decisivo, ao longo dos últimos 30 anos, para o crescimento da ciência, permitindo que o país se aproxime dos padrões europeus em indicadores como a produção científica, a dimensão do sistema ou o número de doutores.

A abertura à comunidade, a existência de uma avaliação independente, e um financiamento com regras transparentes têm sido determinantes para este crescimento e para a credibilidade do sistema. O processo de avaliação, exigente e compreensivo, constitui um marco importante no desenrolar da atividade científica, pelo que não admira que os resultados sejam recebidos com ansiedade e emoção pelos investigadores!

Transparência e equidade

Por outro lado, a atribuição do financiamento tem de ter regras conhecidas, pré-estabelecidas e que se aplicam a todos. Se tal não acontecer, criam-se situações de desigualdade inexplicadas e que levam a que o potencial da comunidade científica não seja plenamente aproveitado. Esta foi a situação que se verificou no último período de financiamento (2015-2019), após a avaliação iniciada em 2013, que tantas críticas suscitou e que levou a situações discriminatórias que não favoreceram a ciência nem a credibilidade do processo de financiamento. Basta notar que, neste período, 22 das 307 Unidades financiadas (ou seja 7% do total), com menos de um quarto do total de investigadores integrados, concentravam mais de metade do financiamento total! Ou que havia diferenças inexplicadas entre unidades excelentes da mesma área científica: por exemplo 15 mil ou 4 mil euros de financiamento anual por investigador.

O atual processo de avaliação das Unidades de I&D, cujos resultados a FCT divulgou a 24 de junho, reverteu esta situação. Retomou-se o estabelecimento de regras claras para o financiamento plurianual, por todos conhecidas aquando da candidatura para a avaliação, e aumentou-se o montante global em mais de 30% em relação ao atribuído em 2015. E o resultado foi que muitas Unidades de I&D (quase metade!) verificaram uma alteração positiva em relação ao que era o seu financiamento anterior. E o mérito também se traduziu, de modo consequente, em acréscimo de financiamento, pois às Unidades agora classificadas como Excelentes foram atribuídos mais 5 milhões de euros do que no período anterior. Certamente que este acréscimo financeiro irá permitir uma intensificação da atividade científica global do país, alavancando a convergência com a Europa e aumentando a competitividade em concursos internacionais.

Com a publicação dos relatórios de avaliação de todas as Unidades de I&D no sítio da FCT, retoma-se também a transparência total sobre os resultados que incluem os relatórios dos Painéis de Avaliação de todas as Unidades de I&D e as correspondentes tabelas de atribuição de financiamento.

Bolsas de doutoramento

Pela primeira vez, e de modo inovador, este processo de avaliação permitiu a atribuição de bolsas de doutoramento às Unidades de I&D, deste modo clarificando a integração da formação avançada na sua atividade científica e conferindo-lhes a possibilidade de conjugar estratégias de investigação científica com programas de doutoramento. Assim, e adicionalmente ao financiamento direto das Unidades, atribuiu-se um total de 1600 novas bolsas de doutoramento com uma duração de 4 anos, o que corresponde a um financiamento adicional de mais 106 milhões de euros. Os concursos e a seleção de candidatos serão conduzidos pelas Unidades de I&D, sendo depois as bolsas contratualizadas entre a FCT e os bolseiros.

A atribuição das bolsas de doutoramento às diferentes Unidades também foi feita pelos painéis de avaliação, integrada no seu processo de análise e classificação. Por exemplo, às Unidades de I&D classificadas como Excelentes foram atribuídas mais de metade das bolsas de doutoramento, correspondendo a um financiamento total de 58 milhões de euros.

Os Laboratórios Associados

Os Laboratórios Associados são constituídos para prossecução de determinados objetivos de política científica e tecnológica nacional, como previsto na Lei da Ciência. A última atribuição deste estatuto a Unidades de I&D, ou conjuntos de Unidades de I&D, decorreu em 2008/2009, de que resultaram contratos-programa para 10 anos, que terminam em 2021. A renovação do estatuto tem como condição obrigatória uma avaliação da atividade, centrada nos contributos para as políticas públicas em que se baseou a atribuição do estatuto.

Por isso, a FCT irá abrir um concurso para Atribuição do Estatuto e Atribuição de Financiamento a Laboratórios Associados, estando já em curso o período de consulta pública sobre o respetivo projeto de Regulamento. Também neste concurso se irão aplicar critérios de transparência e de abertura à comunidade, estabelecendo as regras de elegibilidade, de avaliação e de financiamento, dando oportunidade a que os atuais Laboratórios Associados renovem o seu estatuto ou que se constituam novos Laboratórios. Não se tratará de uma avaliação da atividade científica das Unidades de I&D, que já foi feita no processo que agora se concluiu, mas sim da análise da estratégia de contribuição para as políticas públicas nas áreas respetivas e da qualidade da organização para tal. 

Os Laboratórios Associados – os que renovarem o seu estatuto e os novos que serão criados – constituirão um instrumento importante para o fortalecimento das políticas de ciência e tecnologia nas suas diferentes áreas de competência, reunindo conhecimento e competência científica, com massa crítica e carreiras de emprego científico e qualificado.

Um financiamento especial em 2020

O financiamento dos Laboratórios Associados resultantes do respetivo concurso apenas terá efeito a partir de 2021. Assim, em 2020, o financiamento das Unidades de I&D tem como suporte o resultado obtido pelo processo de avaliação, o que, para alguns casos, representa um valor inferior ao financiamento de 2019. Para evitar que ocorram dificuldades de funcionamento, nomeadamente relativo a compromissos estabelecidos, a FCT considerou 2020 como um ano de transição e atribuiu-lhe um financiamento adicional de 20 milhões de euros. Mais uma vez as regras foram claras e aplicadas de modo abrangente: às Unidades Excelentes e Muito Boas atribuiu-se um financiamento especial igual a 90% da diferença entre o financiamento de 2020 e o de 2019. Assim garantiu-se que não haverá uma quebra abrupta do financiamento - em média o financiamento em 2020 é de 98% do valor de 2019.

Deste modo, o financiamento da ciência para as Unidades de I&D será de 526 milhões de euros no período 2020-2023. Reforça-se assim a confiança nas Unidades de I&D, na sua maturidade, responsabilidade científica e competência para a criação de conhecimento, intensificação da produção científica e contribuição para o desenvolvimento. 

Helena Pereira

Presidente da FCT

* A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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