A primeira missão de Ursula von der Leyen é ganhar a confiança do Parlamento Europeu

A ministra alemã da Defesa, que foi indicada pelos líderes europeus para a presidência da Comissão Europeia, foi apresentar-se aos eurodeputados em Estrasburgo. A sua intervenção junto do PPE mereceu aplausos, mas os encontros com socialistas e Verdes não se concretizaram.

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Ursula von der Leyen, com o líder do PPE, Manfred Weber, antes da reunião em Estrasburgo PATRICK SEEGER/EPA

No seu primeiro contacto com os eurodeputados, esta quarta-feira em Estrasburgo, a alemã Ursula von der Leyen, escolhida pelos líderes europeus para presidir à Comissão Europeia nos próximos cinco anos, terá ficado consciente da missão delicada e difícil que será ganhar a confiança dos parlamentares europeus, tão apanhados de surpresa como o resto do mundo com a decisão dos 28 chefes de Estado e governo da União anunciada na véspera.

Ainda com pouco tempo para digerir o choque, a escolha de Von der Leyen para a chefia do executivo comunitário mereceu críticas de eurodeputados de quase todos os quadrantes políticos, das facções mais moderadas aos dois extremos do espectro parlamentar. As suas resistências e objecções foram sustentadas em diferentes argumentos, mas produziram um mesmo resultado: ninguém arriscou dizer que a eleição da actual ministra da Defesa da Alemanha como presidente da Comissão pode ser dada como certa quando o Parlamento for chamado a pronunciar-se, dentro de duas semanas.

“O processo ainda está no início e ela está muito consciente que nada está garantido”, afirmou o eurodeputado social-democrata e vice-presidente do Partido Popular Europeu, Paulo Rangel, em declarações aos jornalistas após um primeiro (e breve) encontro do seu grupo parlamentar com Von der Leyen. “Dado que o nome dela vem na sequência da rejeição de dois Spitzenkandidaten [cabeças de lista] pelo Conselho, precisará de ganhar a confiança do Parlamento, que naturalmente vai usar todos os seus instrumentos para marcar claramente o seu espaço de decisão e de legitimidade democrática”, afirmou.

Esse processo será “exigente”, e poderá revelar-se “mais moroso e complexo” do que o anterior. Paulo Rangel não excluía mesmo a possibilidade de obrigar a um adiamento da votação, como aconteceu por exemplo, em 2009, aquando da recondução de José Manuel Barroso, cuja eleição foi adiada de Julho para Setembro. No entanto, os defensores da solução do Conselho Europeu estão interessados em manter o calendário previsto — a ideia é que quanto mais tempo o processo demorar, maior e mais organizada pode ser a oposição e o desgaste da nomeada.

Foi só na segunda-feira à noite, quando as negociações entre os líderes europeus para a distribuição dos lugares de topo tinham embatido num muro intransponível, que Ursula von der Leyen recebeu um convite para o cargo. O seu nome já tinha sido apontado pela chanceler da Alemanha como uma possibilidade para Alta Representante para a Política Externa. Perante o impasse no Conselho Europeu, Angela Merkel terá composto uma nova equipa de dirigentes, com a sua amiga e aliada política no topo. Na presidência do Conselho Europeu apareceu o liberal Charles Michel, primeiro-ministro belga em funções, e como Alto Representante para a Política Externa o socialista espanhol, Josep Borrell.

Embora a autoria do acordo tenha sido oficialmente atribuída a Merkel, há relatos não oficiais que dizem que a solução foi previamente concertada pelo Presidente de França, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que teria exigido que o actual comissário eslovaco, Maros Sefcovic, se mantivesse como vice-presidente da Comissão, ao lado do socialista Frans Timmermans e da liberal Margrethe Vestager.

Para o acordo ser fechado, e antes de Von der Leyen dar o sim definitivo, foi fundamental uma conversa com o cabeça de lista do PPE, Manfred Weber, que lhe garantiu que respeitaria a decisão do partido para desbloquear o processo. A vinda da alemã a Estrasburgo, esta quarta-feira, aconteceu a convite do eurodeputado, que sabe que precisa de acalmar a sua própria bancada.

A capitulação de Weber, que nas semanas seguintes às eleições europeias já tinha sido duramente criticado pelos líderes europeus que ensaiavam alianças para retirar a Comissão aos conservadores, não caiu bem dentro do seu grupo parlamentar. Alguns eurodeputados, nomeadamente aqueles que estão ligados ao seu partido bávaro CSU, recusaram subscrever a solução. E é possível que não votem para confirmar Von der Leyen.

Mas o encontro permitiu construir pontes. Numa intervenção em que foi variando do alemão para o inglês e o francês, Ursula von der Leyen pediu a ajuda do PPE para um “trabalho em equipa”, por exemplo na construção de uma proposta que permita consagrar o sistema dos Spitzenkandidaten no futuro. “Estou plenamente convencida que este é o modelo certo”, disse. Segundo Paulo Rangel, a nomeada “mostrou um grande domínio de todos os temas” e uma excelente capacidade comunicacional. “Será muito mas forte e carismática do que as pessoas estão à espera”, estimou.

A maior baralhada nas contas da eleição de Von der Leyen  está na bancada socialista, que ainda está inconformada por não ter vingado um acordo firmado em Osaca à margem da cimeira do G20,  que colocava o seu candidato Frans Timmermans na presidência da Comissão. “Não podemos simplesmente atirar com o princípio dos Spitzenkandidaten ao lixo porque o seu resultado não servia para alguns chefes de Estado”, criticou a líder da bancada dos Socialistas & Democratas, Iratxe García, informando que só por isso o nome de Von der Leyen era “inaceitável” para o seu grupo.

Os socialistas assumiram a sua profunda insatisfação, mas não prometeram a sua oposição à eleição da alemã, ao contrário por exemplo da bancada dos Verdes, que integrou a “aliança progressista” do Parlamento empenhada em construir uma alternativa ao PPE na Comissão. Os ecologistas responderam a uma mensagem de Von der Leyen a perguntar se podiam recebê-la para uma conversa com uma data e hora: segunda-feira, às 16h, em Bruxelas. Os socialistas também protelaram um encontro até terem ideias mais claras sobre o assunto. Já o líder da bancada Renovar a Europa, Dacian Ciolos, teve uma curta reunião com a ministra alemã.

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