A insustentável leveza do ranking das marcas globais

A Europa precisa de mais empresas alemãs, francesas, espanholas, dinamarquesas e portuguesas, entre outras, nas cinquenta ou cem empresas mais valiosas globalmente.

Invariavelmente, de tempos a tempos apresenta-se um levantamento em que se enumera aquelas que são consideradas as empresas mais valiosas do mundo. Os critérios são múltiplos, variam entre a organização que efetuou o estudo, e explicam-se sobretudo pelo número elevado de receitas e lucros, antes mesmo da cobrança de quaisquer juros e impostos. 

Não é novidade a pouca relevância das empresas de países da União Europeia neste tipo de avaliações. Seja numa avaliação alargada ou num top dez que deixou de ter qualquer marca europeia nos últimos anos. Isso mesmo relembrou Paulo Portas na sua rubrica global da semana passada na TVI, com um quadro a exemplificá-lo. Ao apresentá-lo procurou transmitir duas coisas essenciais: a crescente afirmação da economia asiática, nomeadamente a chinesa, com duas das suas empresas a acompanhar as oito americanas neste top 10, em contraste com a europeia. Reforçou Paulo Portas que é sobretudo este contexto que interessa e que a União Europeia não se deveria perder em questões políticas que ignoram a realidade económica.

Uma análise que não é de hoje, nem é isolada, apresentando verdades de la palice mas que têm por base os critérios que menos interessam à União Europeia. Parece-me pouco virada para o futuro que melhor serve o continente europeu, contrariamente ao que uma primeira abordagem poderia pronunciar.

Vejamos: começa-se por englobar o mundo das marcas em todo um espectro de avaliação quantitativo, no lugar de um qualitativo.

Welcome to the era of corporate purpose.

O enquadramento deve cada vez mais implicar um propósito na sua essência. Esse é o ponto em que nos encontramos com a expansão global chinesa e o papel de superpotência do país, que invariavelmente obrigará as suas empresas a pensar para lá dos produtos que vendem.

A maioria destas empresas chinesas não só não o tem como ao contrário das americanas e grande parte das europeias, pouco ou nada esclarece em relação ao contrato social que estão dispostas a estabelecer e a oferecer ao mundo. Não há uma ponte entre o valor que representam para o acionista e o valor que representarão para a maioria das pessoas ou em nome de qualquer bem comum. A China é ainda apontada pela maioria dos países vizinhos como um país de métodos coercitivos e considerada há largos anos inimputável nas regras de comércio internacional.   

Devemos ignorá-lo?

A transformação no país é esperada há alguns anos. Achou-se sempre que a força comercial, tecnológica, inovadora, e de diferentes níveis, seria acompanhada de uma maior abertura e de um regime menos totalitário, com um cariz distinto ao atual. No entanto, por detrás das empresas controladas pelo estado, mantém-se um país que pouco ou nada mudou nos últimos anos social e politicamente.

Ignoramo-lo aqui em Portugal porque é mais fácil julgar as alucinações de um tonto como Donald Trump do que pensar e agir sobre a dependência perigosa que a nossa economia já tem da chinesa em vários sectores. Uma dependência sem paralelo na Europa.

Sei que para alguns a visão globalista de um país pequeno como Portugal aconselha a que se ignore o que outros não ignoram em nome de uma suposta realpolitik. Ironicamente, muitos dos que se fascinam com o investimento chinês hoje são os mesmos que se fascinavam com o investimento do regime angolano de ontem e que entre outros fatores, tanto ajudou a afundar um dos principais bancos nacionais. Lembremo-nos, pois, que a realpolitik nem sempre o é a longo prazo, mesmo que assim pareça no imediato. Em especial, numa era em que a política ditará mais sobre a economia do que aquilo que se julgava.

A Europa precisa de mais empresas alemãs, francesas, espanholas, dinamarquesas e portuguesas, entre outras, nas cinquenta ou cem empresas mais valiosas globalmente. Isso é inquestionável. Há setores em que dificilmente conseguirá competir com o avanço das empresas americanas e chinesas. Mas há outros onde o propósito das suas empresas pode ajudar a que sejam cada vez mais relevantes. Só será possível relevando os alicerces da afirmação política do projeto europeu. Não devemos ter medo de o dizer.

Sobretudo importa pensar como é que as empresas europeias se podem destacar globalmente numa economia que ainda se rege por regras desiguais. 

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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