Para os emigrantes portugueses, não são 6500 euros que os fazem regressar

Incentivos como os do Programa Regressar – que tem reservados 10 milhões de euros para apoiar cerca de 1500 pessoas que queiram regressar a Portugal para trabalhar – não são decisivos para alguns emigrantes ouvidos pelo PÚBLICO.

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Rui Gaudencio/ Arquivo

Há 13 anos, Orlando de Sousa decidiu sair de Portugal. Foi o resultado de um conjunto de factores: a multinacional onde trabalhava ofereceu-lhe a possibilidade de trabalhar temporariamente em Cracóvia, na Polónia. O gestor, que se “sentia um pouco decepcionado” com Portugal, viu aqui a hipótese de mudar de ares. A juntar a isso, a mulher era polaca. Desde 2006 que vive na Polónia e ainda não voltou.

Na altura “sentia muito desinteresse por parte da sociedade portuguesa”, justifica, em conversa com o PÚBLICO. “Fiquei [na Polónia] porque gostei muito e achei que as pessoas eram muito mais interessadas em termos sociais. Receberam-me muito bem aqui. A nível laboral também tive um progresso na carreira interessante”, recorda.

Desde 2006 já muita coisa mudou. Orlando de Sousa, agora com 42 anos, já não está naquela multinacional. No início deste ano, fundou a sua própria empresa. No país que o recebeu também muito mudou no panorama social e político, com o crescimento de grupos nacionalistas e radicais. Dois factores que pesam na altura de pensar num possível regresso a Portugal: “Fui muito bem integrado na sociedade, mas tenho em consideração poder regressar.”

Para Orlando, o apoio agora anunciado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e pensado para emigrantes saídos do país antes de 2015 e que queriam regressar a Portugal ou luso-descendentes – que poderá chegar aos 6536 euros por família no âmbito do Programa Regressar, conforme noticiou o PÚBLICO nesta terça-feira – não é um desses factores. “Não é uma oferta financeira que motiva alguém a voltar. O que tem de haver é oferta de trabalho e condições que satisfaçam os emigrantes”, defende.

“Um desperdício de dinheiro”

A história de Joana Cardoso é um pouco diferente da de Orlando, mas a argumentação é a mesma quando lhe perguntam se o incentivo do IEFP (que irá pagar 2614 euros directamente ao emigrante que tiver um contrato de trabalho em Portugal, valor ao qual ainda se podem somar ajudas de custo no transporte de bens e viagens) a faz querer voltar.

Quando rumou a Londres não tinha experiência profissional: tinha acabado o curso de arquitectura na Universidade do Porto, em 2011 – em plena intervenção da troika – e distribuiu currículos por Portugal e pelo Reino Unido, em busca de uma experiência internacional que já antes desejava. “O factor que mais pesou foi o facto de as ofertas em Portugal não serem pagas. Isso para mim não é trabalho”, sublinha.

Foi para Londres e, tal como Orlando, também não voltou. Mas acha que “se a situação em Portugal fosse mais estável provavelmente já teria voltado”. “Vir para cá não foi necessariamente por causa da situação laboral, mas ficar acho que foi”, diz.

Para esta arquitecta, actualmente com 34 anos e família constituída no Reino Unido, é mais importante que um país tenha um mercado de trabalho aliciante, “flexível e que as condições de trabalho a longo prazo sejam boas”, qualidades que não reconhece ao mercado de trabalho português. Incentivos como o do Programa Regressar – que tem reservados 10 milhões de euros para esta medida, com o objectivo de ajudar cerca de 1500 pessoas – não são decisivos para Joana Cardoso: “Na minha opinião é um desperdício de dinheiro”.

“Não deixo de ir para Portugal porque não consigo pagar a viagem. Não vou porque as condições de trabalho em Portugal não valem a pena, na minha perspectiva”, defende a arquitecta. Não afasta a possibilidade de voltar até porque gostava de “estar mais próxima da família”, conta ao PÚBLICO, mas não “com o mercado de trabalho como está”.

“Acho que as pessoas que vão usufruir são as que já iam para Portugal de qualquer maneira, algo que não critico”, termina.

Uma proposta “insuficiente”

Paulo Marques, luso-descendente, vice-presidente da Câmara Municipal de Aulnay-sous-Bois e conselheiro das comunidades portuguesas em França, conhece de perto a realidade dos emigrantes naquele país. E olha para esta medida como uma proposta “muito limitada no tempo”: “As pessoas movem-se em função das oportunidades de trabalho e de fixação das famílias. A ajuda [que pode ir até aos 6500 euros] é uma proposta muito curta”.

Apesar de reconhecer que em Portugal existem actualmente boas oportunidades para os jovens – nas start-ups das áreas da tecnologia, por exemplo – o conselheiro das comunidades diz que “o factor financeiro em si não é uma razão para fixar”. “Paga a viagem…”, afirma.

Marques defende que o fenómeno da emigração deixou de ser forçosamente explicado por necessidades económicas e que está hoje mais associado à globalização do mercado de trabalho: “Os jovens franceses vão para a Austrália, por exemplo. Há toda uma circulação em termos globais que é uma realidade actualmente”.

Também para Manuel Figueira, conselheiro num dos países que mais atrai quem procura oportunidades foram de Portugal – a Suíça – a proposta do Governo português é “manifestamente insuficiente”.

“As pessoas saem da Suíça quando atingem a idade da reforma. Beneficiam da isenção de impostos, alguns têm direito ao estatuto de residente não-habitual, entre outras coisas. Daqui da Suíça é muito difícil sair”, diz ao PÚBLICO. “Claro que os incentivos são bem-vindos, mas serão uma medida que leva a que as pessoas queiram voltar? Não sei.”​

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