Líderes europeus ainda não encontraram uma solução para distribuir os cargos de topo da UE

À entrada para o Conselho Europeu ainda estão todas as opções em cima da mesa. Donald Tusk insiste que tem de haver fumo branco antes do novo Parlamento tomar posse.

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Donald Tusk Kacper Pempel/Reuters

O presidente do Conselho Europeu não esqueceu a “ameaça” que fez aos líderes ainda antes das eleições europeias, numa tentativa de promover o seu entendimento sobre o processo de nomeações para os cargos de topo das instituições comunitárias. Por isso, se não houver acordo entre os 28 chefes de Estado e governo da União Europeia sobre a “fórmula” para o preenchimento desses lugares, Donald Tusk poderá mesmo forçar a votação de nomes antes do fim do Conselho Europeu destas quinta e sexta-feiras, para assegurar que o processo avança antes da tomada de posse da próxima legislatura, a 2 de Julho em Estrasburgo.

“Vamos esperar para ver se será preciso [convocar uma votação]. Pode ser que sim; pode ser que não. Os contactos políticos intensificaram-se e as próximas 24 horas vão ser muito dinâmicas. É um processo politicamente delicado, mas a expectativa é que seja possível encontrar uma solução nos próximos dias”, estimou uma fonte europeia com conhecimento das discussões preparatórias da cimeira de líderes.

No seu papel de “facilitador” da discussão, Donald Tusk mantém-se “cautelosamente optimista”, acreditando que vai ser possível cumprir o calendário institucional para a recomposição das lideranças das instituições europeias de forma a evitar o atraso no arranque dos mandatos e a paralisia política da UE. “As minhas consultas mostram que existem posições diferentes e interesses diferentes, mas há uma vontade comum de finalizar este processo antes da primeira sessão do Parlamento Europeu”, escreveu o presidente do Conselho na sua habitual carta de convite aos líderes.

A data é crucial, uma vez que os novos eurodeputados têm de eleger o próximo presidente do Parlamento Europeu logo no primeiro plenário da legislatura — numa decisão que condicionará as restantes escolhas de chefe da Comissão, alto representante para a política externa e presidente do Conselho Europeu. Por causa da nova geografia política parlamentar, que obriga à coligação de forças políticas pró-europeias para compôr uma maioria qualificada e de oposição às bancadas eurocépticas e nacionalistas, as maiores famílias políticas fixaram um princípio de repartição dos cargos de topo entre si.

O que todos querem evitar — os chefes de Estado e governo, os novos eurodeputados e os actuais líderes das instituições — é um braço de ferro ou mesmo um confronto na escolha de quem fica com o quê. Mas poderá ser inevitável. Num claro sinal de que estão determinados em ter uma palavra decisiva nessa repartição, os líderes europeus aterram em Bruxelas horas antes do início da cimeira, para uma ronda de negociações preliminares: primeiro reúnem-se as famílias políticas para definir estratégias e depois volta a encontrar-se o chamado “grupo dos 6”, composto pelos líderes que representam conservadores, socialistas e liberais no Conselho (e que inclui o primeiro-ministro português, António Costa, como um dos negociadores).

O prémio mais cobiçado

A presidência da Comissão Europeia é, pelo seu carácter executivo, o “prémio” mais cobiçado. O Parlamento Europeu quer estabelecer como regra — ainda que tal não conste nos tratados — que o líder da Comissão tem de ser eleito entre os cabeças de lista (Spitzenkandidaten) nomeados pelos grupos europeus antes das eleições. O método foi seguido em 2014, quando o candidato do grupo com mais votos — Jean-Claude Juncker, do Partido Popular Europeu — foi escolhido para a Comissão praticamente sem reservas nem oposição. 

O mesmo não acontece agora. O PPE ambiciona a presidência da Comissão, mas o seu candidato, o eurodeputado bávaro Manfred Weber, não consegue formar uma maioria que o apoie, nem no Parlamento Europeu, onde o seu partido continua a ser a maior bancada), nem dentro do Conselho, onde a representatividade dos democratas-cristãos está ainda mais diluída. Num primeiro jantar de avaliação dos resultados eleitorais, os líderes arrasaram a sua candidatura, ao estabelecer como critério de elegibilidade para a presidência da Comissão a experiência governativa a nível nacional e preferencialmente também europeia. Weber construiu a sua carreira política como eurodeputado, e nunca ocupou cargos executivos na Alemanha.

O PPE, que reúne a sua cúpula dirigente antes do Conselho Europeu, tem um dilema para resolver: preservar o modelo dos cabeças de lista ou lutar pela presidência da Comissão, o que implica abrir mão de Weber em favor de um nome alternativo que reúna o consenso no Conselho. Ao mesmo tempo, os Socialistas & Democratas (segunda maior bancada no Parlamento) tentam aproveitar a nova realidade da fragmentação política para forjar uma “aliança de forças progressistas” capaz de eleger outro dos Spitzenkandidaten — o socialista Frans Timmermans, ou a liberal Margrethe Vestager.

Não é uma missão impossível, uma vez que Emmanuel Macron, que se opõe a Weber, não se sente comprometido com o princípio dos cabeças de lista. Em vez da ligação a uma família política, o Presidente francês faz depender o seu apoio (que é fundamental) da ponderação de outros factores, com ênfase para a renovação geracional, o equilíbrio de género e a justiça regional na distribuição de cargos.

Os próximos cinco anos

Antes de entrar nessa discussão, marcada para a hora de jantar, os 28 vão fechar a sua Agenda Estratégica para os próximos cinco anos. O documento (supõe-se ter entre cinco e seis páginas) define as linhas orientadoras da acção política do próximo ciclo institucional, servindo de guião para os programas de trabalho das instituições ao longo do mandato. Segundo uma fonte europeia, o foco está na protecção do território e dos cidadãos europeus (como comparou, se o exercício de 2014 foi influenciado pelo trauma da crise do euro, o actual leva em conta a convulsão política provocada pelas vagas migratórias e a ameaça terrorista), na promoção da transformação digital e na consideração do papel que a Europa pode desempenhar no contexto global.

O rascunho foi fechado pelos sherpas depois da cimeira informal de Sibiu, na Roménia, mas ainda há um ponto em aberto para os líderes discutirem, que tem a ver com a questão das alterações climáticas, claramente uma das prioridades dos eleitores euopeus. “Diria que há movimento no Conselho para reconhecer como objectivo alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Mas ainda não temos unanimidade”, notou o mesmo responsável.

De resto, antes da cimeira do euro, que está marcada para sexta-feira, os líderes europeus ainda vão fazer um ponto de situação do “Brexit”. Depois de se despedirem definitivamente da primeira-ministra britânica, Theresa May, os 27 chefes de Estado e governo revêm os preparativos e planos de contingência para a eventualidade de uma saída abrupta do Reino Unido da UE. Também devem “aprimorar” a sua mensagem para os candidatos à liderança do Partido Conservador e ao cargo de primeiro-ministro do Reino Unido, que ainda não compreenderam que não vão conseguir negociar um novo acordo com Bruxelas. 

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