Aprender com o país

Talvez o Presidente hoje perceba que os radicais nunca foram quem exigiu a regionalização, mas quem persiste na excepcionalidade da situação portuguesa.

No último debate do ciclo Olhares Cruzados, organizado pelo PÚBLICO e pela Universidade Católica, Miguel Alves, presidente da Câmara de Caminha, mas com tarimba feita na autarquia lisboeta, levantou o novo desiderato do partido que continua a professar o seu amor pela regionalização, mas que parece sempre empenhado em tudo fazer para que esse amor não dê em casamento — o PS.

Disse o autarca que era preciso contar com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa para o processo de regionalização porque ele certamente era um “homem diferente” do outrora opositor deste modelo de organização administrativa. Uma declaração que foi consagrada como orientação oficial com as declarações de António Costa neste fim-de-semana ao Expresso: “Admito que o próprio Presidente possa ter evoluído na sua reflexão ao longo dos últimos anos.”

Disse ainda Costa que “a pior coisa que poderia acontecer para quem defende a regionalização” era precipitar-se “numa confrontação com o Presidente da República, com o risco de comprometer por mais 20 anos” o processo. 

Sim, de facto, há 20 anos, foi o mesmo Marcelo Rebelo de Sousa, na altura líder do PSD, quem conseguiu consagrar na Constituição a absurda necessidade de haver um duplo referendo para um dia se vir a ter regiões administrativas em Portugal. E foi Marcelo quem derrotou estrondosamente a esquerda no referendo da regionalização. Não deixa por isso de ser estranho que os defensores desta vontade deixem nas mãos da sua Némesis o destino do dossier.

Mas alguma coisa deve ter acontecido porque em Março deste ano o mesmo António Costa dizia, em entrevista, não acreditar “que nos mandatos do actual Presidente da República o processo avance significativamente”.

Quem sabe se o mergulho no interior do país, de que Pedrógão foi o capítulo mais doloroso, revelou ao Presidente esse país exangue, cada vez mais débil, que nunca verá as suas ambições defendidas e representadas no centro do poder se não tiver ele próprio uma legitimidade política própria. Quem sabe se o Presidente não foi percebendo que o processo de descentralização para as autarquias nunca servirá para ocupar o vazio que é a inexistência de uma esfera regional onde está a escala certa para tratar muitas questões, como o combate os incêndios, por exemplo. Talvez ele hoje perceba que os radicais nunca foram quem exigiu a regionalização, mas quem persiste na excepcionalidade da situação portuguesa.

Talvez o país já tenha ensinado ao Presidente o que Rui Rio aprendeu. Também ele era contra mas acabou, em coro com António Costa, a dizer que “a regionalização podia ser talvez o maior abanão para alterar o sistema político”.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários