Alguma coisa em que acreditar

Significativamente, em sentido contrário ao que pedia ontem João Miguel Tavares, são os eleitores que estão a dar aos partidos “alguma coisa em que acreditar”.

“Os adultos continuam a dizer que devem aos jovens a esperança. Mas eu não quero a vossa esperança, eu não quero que vocês tenham esperança. Eu quero que vocês entrem em pânico, eu quero que vocês sintam o medo que eu sinto todos os dias. E então eu quero que vocês actuem, quero que vocês actuem como se estivessem numa crise”, disse Greta Thunberg, a sueca de 16 anos que se tornou o rosto e a voz de uma geração que entende o sentido de ultimato dos efeitos do aquecimento do planeta. Ela não falava para os eleitores europeus, mas para os líderes reunidos em Davos. Mas seja por medo, seja por esperança na mudança, a mensagem esteve na cabeça de muitos europeus no momento de actuar como eleitores.

Milhões votaram pelos partidos que têm a luta pela causa ambiental entre as suas preocupações, o que garantiu um número recorde de lugares aos Verdes no Parlamento Europeu. Em França, ficaram em terceiro lugar, bem à frente dos partidos tradicionais, com 13,5% dos votos. Na Alemanha, tiveram o melhor resultado numa eleição nacional, com 20,5%. Na Inglaterra tiveram a maior votação desde 1989, à frente dos conservadores. Em Portugal, o PAN elegeu pela primeira vez um eurodeputado e mesmo o Bloco de Esquerda, mais identificado com as preocupações dos jovens, beneficiou certamente da “onda verde” para a sua noite de vitória. No Parlamento Europeu a bancada verde subiu 40%, conquistando 69 lugares e tornando-se o quarto maior grupo parlamentar.

Mas o maior resultado das eleições de 26 de Maio talvez ainda esteja para vir. Nos últimos anos temos assistido, não sem alguma sensação de sufoco, a como muitos partidos ditos tradicionais incorporam no seu ideário as propostas de forças mais populistas, normalmente à direita, em áreas como a imigração, direitos das mulheres ou economia. Fazem-no na tentativa de conter a erosão do seu eleitorado que, consideram, é atraído pelas propostas mais extremistas, apesar dos resultados desastrosos – olhe-se para França, Espanha ou Áustria.

Ao descobrirem que há um tema que parece estar na cabeça de muitos eleitores, especialmente da nova geração de votantes, como o demonstraram as eleições europeias, é natural que os partidos do sistema – os que normalmente estão em melhor condições de governar – venham a injectar nos seus programas as preocupações ambientais dos que agora lhes parecem disputar o eleitorado. Fá-lo-ão mais por medo do que por convicção genuína, mas deixai-los: o resultado final pode bem trazer mais alguma esperança para este planeta. Significativamente, em sentido contrário ao que pedia ontem João Miguel Tavares, são os eleitores que estão a dar aos partidos “alguma coisa em que acreditar”.

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