Aos 80 anos, Eduarda vende o Avante! e tenta convencer eleitores em Vila Franca

Filiou-se no PCP ainda na clandestinidade, foi a primeira mulher presidente da junta de freguesia de Vila Franca de Xira: Eduarda Nobre ainda tem muito trabalho pela frente até dia 25. E no dia das eleições estará numa mesa de voto.

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LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO
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Nas ruas da zona antiga de Vila Franca de Xira, Eduarda Nobre está como peixe na água - conhece cada canto e recanto, quem mora aqui e ali, quem passa na esquina e quem se senta nas esplanadas. Cumprimenta muitas caras conhecidas, pespega o autocolante da CDU no peito de quem ainda não o tem, trata das tarefas ‘administrativas’ dos cargos que ocupa com quem encontra no passeio. Aos 80 anos, “feitos a 25 de Abril, olhe a coincidência”, tem uma energia que não se percebe de onde vem.

Ou percebe-se: da convicção de que é pela luta “que lá vamos chegando”, diz. Nesta terça-feira, sob o calor pesado do meio-dia, lá ia ela na comitiva que seguia atrás de João Ferreira pelas ruelas de Vila Franca, desde a câmara municipal até junto ao rio. O candidato entrava em todas as lojas, deixava “papelinhos” nas mesas das esplanadas dos cafés, ocupadas por reformados, avisava que no dia 26 é preciso votar na CDU.

João Ferreira não é muito expansivo – aposta mais na cordialidade. E foi dela que puxou para responder ao dono de um supermercado que lhe disse que Marisa Matias é que fez mais em Bruxelas, pedindo-lhe que “vá ver à internet do Parlamento Europeu” que isso não é assim e que a CDU fez muitas perguntas, propostas, requerimentos em Bruxelas. Se isso foi logo no início do passeio, não o impediu de entrar também numa casa de fotocópias e enfrentar um desprendido ‘deixe aí’ o papel em cima do balcão, como lhe pediu o empregado lá do fundo da loja e até numa empresa de trabalho temporário. Cafés, retrosarias, casas de ferragens, limpeza a seco, sapatarias, lojas de vestuário e de instrumentos musicais – nada escapou e no final até acedeu a tirar uma selfie com uma apoiante.

Eduarda seguia atrás, atenta. De blusa de florinhas coloridas e chapéu na cabeça. “Dessem era aumento à gente em vez de papelada”, larga uma senhora também de idade quando vira a esquina da loja de roupa onde Ferreira entrou, e segue sem olhar para trás, com os sacos das compras nas mãos. “Olha, ela teve aumento; não é é o que a gente quer...”, comenta Eduarda para outro reformado logo ao lado.

João Ferreira tinha dito uns metros antes que é preciso esclarecer os amigos, os familiares, quem se encontra na rua. E vai Eduarda fazer isso à conhecida que resmungou? “Oh, se a vir, vou tentar convencê-la, pois. Ela está desactualizada, os aumentos foram uma realidade”, promete. No seu caso foram os de dez euros por ano, uma proposta do PCP de que se orgulha. “Nós na CDU queríamos mais aumentos e agora vamos lutar pelos 850 euros.” Mas olhe que esse valor é para o salário mínimo... “Pois é, mas se o salário mínimo aumentar, tudo o resto também aumenta; está tudo ligado.”

Então mas conte lá, como é que convence os outros a votarem na CDU? “Temos de conversar; temos de criar condições para as pessoas perceberem que têm mais a ganhar.” Tem de o fazer até dia 25 porque a 26 não pode falar sobre isso: está numa mesa.

Uns passos à frente, cumprimenta um conhecido que lhe diz, apressado, que tem que lhe trazer o dinheiro para pagar a associação, o partido e o Avante! É que Eduarda é responsável pelas quotas e assume a função de ardina do jornal do partido.

Sim, sim, aos 80 anos ainda é uma cidadã (muito) participativa. Isso está-lhe no sangue há muito tempo. Filiou-se no PCP ainda antes do 25 de Abril e quando arranjou trabalho como funcionária pública, num infantário nos Olivais (em Lisboa) tinha que se conter nos comentários. Eram só com a família e os amigos muito chegados, lembra. Chegado o 25 de Abril e as eleições autárquicas, foi eleita a primeira mulher presidente da junta de freguesia de Vila Franca de Xira. Foi ainda pioneira a abrir o primeiro centro da ABEI, a Associação para o Bem-Estar Infantil de Vila Franca - entidade onde continua. Já em democracia, havia de conseguir sindicalizar todas as colegas de trabalho do infantário, recorda, admitindo que era um sítio onde as ideologias não lhe trouxeram problemas laborais.

A dada altura da arruada, uma jovem grita do outro lado da rua, de braço levantado “Olá, velhinha!”. É a neta, Nádia Perdigão. Trabalha n’ A Barbearia dos Vinhos - é uma loja de vinhos (desde há quatro anos) na antiga barbearia da família (a chamada Barbearia do Perdigão, aberta em 1883), e que foi também o primeiro cabeleireiro unissexo de Vila Franca, conta Nádia orgulhosa. O nome é dado a confusões, ri-se a jovem: há uns tempos, entrou um cliente para cortar o cabelo e ela respondeu-lhe que isso era coisa impossível ela fazer.

Junto à montra de uma loja de música, três conhecidos metem conversa com Eduarda. Ela dá uma palmada nas costas de um e cola-lhe um autocolante ao bolso da camisa amarela. “Defender o povo e o país”, lê-se em letras azuis.

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