Redes culturais: promover a democracia cultural em todo o território

O 3.º Fórum Político da Artemrede, realizado em Pombal, advogou pela criação de redes culturais e pelo apoio financeiro ao funcionamento das mesmas como um dos meios para promover a democracia cultural em todo o território nacional.

No dia 2 de Maio, em Pombal, teve lugar o 3.º Fórum Político da Artemrede, dedicado ao tema Redes Culturais: modelos de cooperação para o desenvolvimento dos territórios. Tratou-se de um encontro participado por cerca de 40 autarcas e outros decisores políticos, organizado por uma associação que tem demonstrado ser, ela própria, um exemplo de boas práticas no campo da cooperação intermunicipal. A Artemrede é um projeto de cooperação cultural constituído por 17 associados (16 municípios e a associação Acesso Cultura) com 14 anos de atividade ininterrupta nas áreas da programação cultural, do apoio à criação artística, da formação profissional e das práticas artísticas comunitárias. Ao longo do seu percurso demonstrou a capacidade de agregar escalas, realidades e atores diversos, cruzando os interesses e as especificidades locais com desafios e perspetivas de alcance regional, nacional e internacional.

O facto de a Artemrede ser uma rede composta por geografias, escalas e sensibilidades políticas diversas qualifica-a para promover um debate, pertinente para além do seu território, que contribua para influenciar decisões políticas e estratégicas na área cultural e da coesão territorial. É neste contexto que surge o Fórum Político, um encontro entre pares para discutir, ouvir e apresentar ideias, preocupações e propostas no campo das políticas públicas de cultura.

Este Fórum Político partiu da reflexão produzida no encontro anterior, em 2017, e que tem vindo a ser promovida pela Artemrede, sobre a importância de articulação entre governo e autarquias na promoção de medidas que contribuam para uma maior coesão territorial no acesso à cultura, à criação artística e à participação dos cidadãos na vida cultural.

As redes têm sido identificadas como potenciais motores de desenvolvimento dos territórios, espaços de aprendizagem e de capacitação e instrumentos de planeamento estratégico. No entanto, são poucos os exemplos, em Portugal, de redes culturais intermunicipais bem-sucedidas, com visão estratégica e atividade continuada. Reiteradamente assentam em modelos rígidos, centralistas, ou são redes criadas de forma artificial, para responder a oportunidades de financiamento ou para dar corpo a entidades político-administrativas.

A proposta de criação da Rede de Teatros e Cineteatros, em discussão na Assembleia da República, foi também um dos motes para este debate, na medida em que tenta responder a uma necessidade dos territórios: a corresponsabilização do Ministério da Cultura e das autarquias no funcionamento dos teatros municipais.

Este 3.º Fórum Político da Artemrede propôs, assim, um exercício de reflexão sobre modelos de redes culturais, o seu papel no desenvolvimento dos territórios e as condições necessárias para a sua atuação e eficácia. Organizados em grupos de trabalho, os participantes aceitaram o desafio de responderem a três perguntas apresentadas pela Artemrede. Independentemente das diferenças entre eles – de pertenças institucionais, níveis de responsabilidade, campos políticos – foi possível identificar vários pontos de convergência e posições consensuais, quer na identificação de fragilidades, quer no campo dos compromissos e das propostas:

1. Qualquer que seja o modelo de cooperação entre governo e autarquias, os municípios e as freguesias querem ter voz na sua construção. Quem melhor conhece os territórios deve ter a oportunidade de participar no processo de identificação de prioridades de investimento e na definição de formatos de aplicação desse mesmo investimento.

2. A ausência (quase) generalizada de estratégias municipais para a cultura e a falta de recursos humanos qualificados nas equipas municipais de cultura foram as fragilidades mais assinaladas pelos autarcas, fragilidades estas que dificultam a estabilidade das políticas culturais locais. Neste campo, e usando o exemplo da Artemrede, as redes culturais foram reconhecidas como potenciais instrumentos no combate a essas fragilidades, pela capacidade de promoverem uma visão estratégica a longo prazo, a capacitação dos seus membros através da aprendizagem interpares e a qualificação das equipas.

3. O facto de as redes aparecerem repetidamente, durante o debate nos grupos, como a solução para estes e outros problemas ou como uma ferramenta de suporte à ação cultural autárquica, demonstra que as estratégias para o desenvolvimento dos territórios assentes no modelo de rede continuam a fazer sentido e a demonstrar eficácia. No entanto, foi comumente aceite que as redes fecundas são necessariamente modelos orgânicos, assentes em relações e em interesses comuns. Redes que se baseiam em infraestruturas – como a já referida proposta de Rede de Teatros – ou numa excessiva sectorialização são modelos datados e desfasados dos modos atuais de produção, programação e receção das artes contemporâneas. Igualmente relevante no debate sobre formatos de redes foi a questão geográfica, e aqui voltou a aparecer uma expressão usada no Fórum Político anterior: territórios pertinentes, que não decalcam uma linha administrativa, mas antes se organizam segundo relações reais, de ajuda mútua e ação concertada. Também a natureza dos seus membros foi um fator de consensualização, reconhecendo-se a importância de ativar os agentes locais, entidades públicas e privadas, na construção de redes ancoradas nos territórios e nas comunidades.

Concluindo, o 3.º Fórum Político da Artemrede advogou pela criação de redes culturais e pelo apoio financeiro ao funcionamento das mesmas (através do Ministério da Cultura, do Ministério do Planeamento ou de outras áreas governativas, assim como no contexto do quadro financeiro Portugal 2030), como um dos meios para promover a democracia cultural em todo o território nacional. Esta estratégia deve partir de uma escuta ativa do território e dos seus atores – entre os quais as autarquias e os agentes culturais – e promover a construção de diferentes projetos, de geometrias variáveis, que correspondam às necessidades e especificidades dos territórios e à vontade efetiva de cooperação dos seus membros.

Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa e Presidente da Direção da Artemrede; Diretora Executiva da Artemrede

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