Em negação a assistir ao fim do mundo

Largar palhinhas de plástico é fácil. É por isso consensual. Mas será que estamos prontos para transformações estruturais que ponham em causa o nosso estilo de vida?

O fim do mundo está para breve?, pergunta Philip Roth a Milan Kundera, em Entre Nós, livro que reúne conversas entre Roth e outros escritores, ao que o segundo riposta que a sensação de que caminhamos para a destruição é antiga.  “Quer dizer que não temos motivo para preocupações?”, insiste Roth. Pelo contrário, expõe Kundera, explicitando que se o receio tem séculos é porque deve haver algo que o fundamente.

As devastações que farão desaparecer o mundo não são novidade. A Bíblia termina com uma revelação, o Apocalipse. A ciência debate a matéria. E as representações artísticas fixam a angústia perante as crises. A diferença é que nessas interpretações o fim do mundo era provocado por uma ameaça exterior. Na actualidade não há desastre, inundação, terramoto, pandemia, extinção, desertificação, esgotamentos de recursos ou alterações climáticas onde não se constante que a ameaça somos nós.

Antes achávamos que os recursos eram infinitos. Que a economia cresceria sempre. Que a tecnologia nos valeria. Agora o sentimento de perder o mundo é colectivo. Já não é possível dissociar as mudanças climáticas dos outros conflitos do nosso tempo, das desigualdades à ascensão dos populismos. Como expunha Timothy Morton (um dos ideólogos do Antropoceno): “Hoje quase tudo o que fazemos é uma questão ambiental. Não era assim. Pelo menos não havia essa percepção.”  

Os seres humanos são a principal causa da transformação do planeta. Não só nos deparamos com esses danos, como sabemos a todo o momento que estamos a fazê-lo. E o que concebemos neste cenário? Continuamos em negação. Sim, todos os dias vemos notícias sobre plásticos, palhinhas, separação de lixos, racionamentos. Enfim, um sem número de propostas de pequenas mudanças de hábitos individuais, enquanto algumas empresas vão competindo entre si para ver qual é a mais verde e fofinha. Pelo meio há também algumas coisas sérias como os recentes activismos juvenis.

Mas é pouco. No geral o que se vê são boas intenções que soçobram ao menor conflito, como ainda há dias se constatou em Portugal com a greve de camionistas a mostrar a total dependência que existe de um estilo de vida assente no carros e nos combustíveis fósseis. Largar palhinhas é fácil. É por isso consensual. Já deixar o carro de lado, nem que seja apenas por umas horas, é gerador de uma gritaria em que ninguém se entende.

Imagine-se quando forem necessárias mudanças sérias. O que temos são propostas microscópicas para questões estruturais, baseadas na suposição de que é melhor do que nada. Certo. Mas é também uma maneira de adiar e fazer do assunto uma questão moral quando ele é político, falando-se de um possível colapso ambiental como algo abstracto, misterioso ou neutro.

Num artigo recente de George Monbiot, no The Guardian, este escrevia que apenas uma rebelião nos acautelará do apocalipse ecológico. Ninguém sabe. Mas é preciso deixarmo-nos de subterfúgios e falar a sério. São possíveis mudanças ambientais profundas sem questionar o sistema económico, as políticas dominantes, o capitalismo, as relações laborais desiguais, um estilo de vida de narcisismo consumista e uma lógica de crescimento sem fazer implodir um planeta que cada vez mais se revela finito?

Não, não é. Hoje vemos adolescentes a tomar consciência sobre o planeta que lhes vamos deixar. Se não lhes dermos respostas agora, que escolhas terão no futuro? Durante muito tempo sorríamos perante quem falava de forma mística do fim do mundo. Agora a realidade que enfrentamos não tem nada de sobrenatural e não é para brincadeiras. Convinha olhá-la bem de frente, pensando num plano B. Já que planeta B não há.

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