A Síria de amanhã

A Síria de amanhã não parece ser muito diferente da Síria de ontem. O tabuleiro de xadrez geopolítico do Médio Oriente continua assente num barril de pólvora, podendo degenerar num novo conflito em larga escala que sirva de incubadora para um renovado Daesh..

O mundo assistiu com esperança ao anúncio da derrota militar do autoproclamado Estado Islâmico (EI). O anúncio que foi feito pelas Forças Democráticas Sírias coincidiu com o menos auspicioso anúncio do Presidente Donald Trump em retirar as tropas norte-americanas de território sírio. Desde o início da guerra civil na Síria que a intervenção dos EUA foi errática e, em determinados momentos, teve consequências dramáticas para o desenrolar do conflito na região.

O verão de 2013 foi um desses momentos. Nesse período, Assad ordenou um ataque infame com armas químicas, em Ghouta, assassinando cerca de 1400 civis. A resposta Ocidental liderada pelos EUA não foi a esperada – o Presidente Barack Obama, que tinha ameaçado o regime sírio com uma intervenção musculada caso houvesse uso de armas químicas, optou por não intervir.  

A inação norte-americana e o “livre-trânsito” do regime de Assad criaram as condições perfeitas de caos e violência sectária e religiosa para o desenvolvimento do EI na Síria. Foi precisamente em 2013 que um poderoso grupo salafista jihadista iraquiano se fundiu com a Frente al-Nusra e, rapidamente, se tornou numa força dominante em rápida expansão pelo território sírio. Esse novo grupo ficaria para a história como o autoproclamado Estado Islâmico.

Voltemos ao ano de 2019. Os sinais dados pelos EUA, no abdicar do papel de policiamento e reconstrução da Síria, e a cada vez mais incipiente capacidade da UE enquanto bloco geopolítico, revelam um Ocidente que deixou de ser um player sério naquela importante região do globo. Mas outras potências trataram de ocupar o vazio de poder. 

A Síria, que acorda de um pesadelo de oito anos de guerra civil onde se conta cerca de meio milhão de mortos e milhões de refugiados, prepara-se para voltar a conviver com o suspeito do costume – Bashar al-Assad. O ditador sírio, que o Ocidente por inúmeras vezes assegurou ter os dias contados, continuará no poder apoiado pela Rússia e Irão; e com a conivência da Turquia. 

No futuro próximo, a Rússia e Irão quererão manter operacionais militares a colaborarem e a influenciarem o regime de Assad e quererão que as suas empresas trabalhem e lucrem na reconstrução do país. Mas a relação do regime de Assad com estas potências é um casamento de conveniência, podendo ser desfeito quando os interesses divergirem, tal como aconteceu no passado recente (e.g. a Turquia apoiou grupos anti-Assad). 

A manutenção de Assad no poder representa uma falsa estabilidade. Enquanto estiver no poder, o conflito será iminente pelo facto do ditador de confissão alauita (um ramo do xiismo) continuar a ser um elemento desagregador dos diferentes grupos étnicos e religiosos existentes num território de maioria sunita que convive perigosamente com grupos armados xiitas, nomeadamente milícias iranianas e elementos do Hezbollah.

Outros conflitos ameaçam também a paz na Síria: a ambição dos curdos em criarem o seu próprio país (depois do enorme esforço de guerra que tiveram ao combater o EI), contra a vontade da Turquia que teme a emergência de um novo poder na região; e Israel que, com a saída de cena dos aliados norte-americanos, se encontra mais isolado militarmente no combate pela integridade do seu estado. 

A Síria de amanhã não parece ser muito diferente da Síria de ontem. O tabuleiro de xadrez geopolítico do Médio Oriente continua assente num barril de pólvora, podendo degenerar num novo conflito em larga escala que sirva de incubadora para um renovado EI

Se o Ocidente pretende continuar a ter uma voz ativa na guerra e paz do mundo deverá voltar ao Médio Oriente. O globo é cada vez mais pequeno e próximo, como nos ensina a crise de refugiados que têm chegado em massa à Europa. Os problemas que existem na Síria irão impactar o Ocidente, mesmo que o Ocidente feche os olhos e tape os ouvidos. 

   

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