Emissões de CO2: ambientalistas temem metas cumpridas com “falsos carros eléctricos”

Novas regras aprovadas no Parlamento Europeu prevêem criação de um fundo para a requalificação dos trabalhadores do sector, que será financiado pelas multas a cobrar aos fabricantes incumpridores.

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O novo regulamento que impõe carros mais limpos foi aprovado no plenário em Estrasburgo REUTERS/Vincent Kessler

O Parlamento Europeu aprovou novas medidas que obrigam a indústria a fabricar automóveis 37,5% menos poluentes em termos de emissões de CO2 até 2030, mas os ambientalistas receiam que as metas sejam atingidas com “falsos carros ‘eléctricos’”. As novas regras (PDF aqui) a que a maioria esmagadora dos eurodeputados deu luz verde (521 votos a favor, 63 contra e 34 abstenções), nesta quarta-feira, estabelecem que a partir de 1 de Janeiro de 2025, os novos veículos ligeiros de passageiros e os comerciais ligeiros terão de emitir menos 15% de CO2 em relação a 2021. E a partir de 2030 a redução será de 37,5% para os ligeiros de passageiros e de 31% para os comerciais ligeiros.

A Transporte & Ambiente (T&A), organização que junta 58 entidades defensoras de transporte limpo na Europa, considera, porém, que a nova legislação, ao incentivar tecnologias inovadoras, como os veículos eléctricos e os híbridos, “deixa espaço a uma invasão de ‘falsos’ carros eléctricos”, através dos plug-in híbridos eléctricos. “Os construtores podem cumprir metade de todas as ‘emissões zero ou baixas’ necessárias para chegar às regras mais exigentes de CO2 com os falsos carros ‘eléctricos’”. A T&A inclui especialmente nesta categoria os grandes utilitários desportivos (SUV) com baixa autonomia eléctrica, calculando que os construtores podem chegar às metas vendendo quase 1,7 milhões destes veículos por ano a partir de 2025 e quase quatro milhões em 2030.

A T&A pede, por isso, aos governos que “previnam este risco, promovendo apenas carros totalmente eléctricos, a células de combustível ou híbridos plug-in a sério”. O caso citado é o do ministro alemão das Finanças que sugeriu recentemente que os híbridos plug-in devem ter uma autonomia mínima de 80 quilómetros. Por outro lado, a T&A lembra que “demonstrou recentemente que os fabricantes estão a inflacionar os valores de CO2 aprovados nos novos testes WLTP”, de modo a garantir ganhos no futuro.

Nem o processo de negociação com a indústria foi fácil – durante o debate foi lembrado que o presidente da Associação Europeia de Construtores de Automóveis (ACEA), o português Carlos Tavares, chamou “amadores” aos eurodeputados da comissão de Transportes e estes sentiram-se “insultados” –, nem a verificação de “valores reais e não de laboratório”, no futuro, parece fácil de garantir. 

Os ambientalistas prometem ficar de olho nesta questão, que é também uma preocupação evidente no texto das novas regras, ao dar à Comissão Europeia espaço para monitorizar e exigir avaliações independentes e reportes de informação. Para a eurodeputada relatora, Miriam Dalli, do Partido Trabalhista de Malta, “na transição para este novo ciclo não será possível inflacionar os valores do teste WLTP”.

Em resposta aos receios dos sindicatos sobre o impacto destas medidas no emprego, é pedido à Comissão Europeia que lance um fundo para a requalificação dos trabalhadores desta indústria, financiado pelas multas pagas pelos fabricantes incumpridores.

De acordo com as novas regras, a Comissão Europeia deverá passar a aplicar uma taxa sobre as emissões excedentárias ao fabricante, que poderá ter impacto, já que vai multiplicar as emissões em excesso por 95 euros, multiplicando depois pelo número de carros novos vendidos no ano a que respeita a infracção.

Desafio para a indústria

A Comissão Europeia calcula que na sequência desta legislação, que visa cumprir os compromissos europeus no âmbito do Acordo de Paris e do pacote de energia mais limpa, 35 milhões de veículos de emissões zero ou baixas irão circular nas estradas, contra um milhão neste momento, e que serão criados 60 mil novos postos de trabalho para a produção de baterias.

As regras agora aprovadas são um desafio à indústria, que no final de 2018 tinha reagido com cepticismo às metas que estavam em discussão em Bruxelas – e que nessa altura até apontavam para uma redução das emissões de 35% (face às emissões de 2021), ou seja, ligeiramente menor, proposta pelo Conselho Europeu. Mesmo assim, a ACEA dizia que “embora essa meta fosse menos agressiva do que a pretendida pelo Parlamento Europeu, ela ainda representava um risco para a competitividade do sector, para os trabalhadores e para os consumidores”.

Em 2017, a Comissão Europeia propusera uma redução de 30%, para todo o tipo de veículos, mas o Parlamento Europeu optaria, em Outubro de 2018, por uma meta mais ambiciosa, aprovando um corte de 40%. Para a ACEA (que representa os 15 maiores construtores), a arquitectura do regulamento que estava em discussão, baseado num sistema de penalizações para os fabricantes incumpridores, conjugada com a exigência de elevadas quotas de vendas de carros de baixas emissões, era “desfasada da realidade” e “iria interferir com o princípio da neutralidade tecnológica”.

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