Judiciária Militar obstaculizou investigação a Tancos, acusa director da PJ

Luís Neves desbobinou uma insólita fita do tempo, com exemplos da não colaboração do chefe da PJM até à encenação do achamento do material roubado.

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Luís Neves no Parlamento LUSA/Manuel Almeida

A obstaculização às investigações dos então responsáveis da Polícia Judiciária Militar (PJM) e a divulgação de elementos importantes são os dois factos inéditos comunicados nesta terça-feira à comissão parlamentar de inquérito ao assalto de Tancos pelo director-nacional da PJ, Luís Neves.

“Aqui estão em causa pessoas e não a instituição, o responsável máximo [da PJM] sempre teve dificuldade em aceitar a colaboração connosco”, repetiu Luís Neves aos deputados, referindo-se ao coronel Luís Vieira, em prisão domiciliária, e um dos arguidos na Operação Húbris. “À data dos factos, não queríamos acreditar no que estava a suceder”, destacou. O tempo tornou descabida esta incredulidade.

A escassa colaboração da PJM começou, disse, antes do assalto de 28 de Junho de 2017, mas só o crime permitiu reconstituir uma inusitada fita do tempo. Assim, explicou, a denúncia, em Abril de 2017, de que se preparava um assalto a instalações militares não colheu junto da congénere militar.

“Foi uma fonte humana que nos transmitiu a informação, não muito rica em elementos, mas permitiu a abertura de um inquérito na directoria do Porto”, relatou. “Foi o que a PJ transmitiu à Judiciária Militar, ao major Pinto da Costa em Abril, antes do assalto de Tancos, que não terá credibilizado ou transmitido a informação à hierarquia da PJM”, disse. E explicou: “É uma dedução lógica, porque o investigador que lhe transmitiu a informação, quando foi conhecido o roubo, perguntou-lhe: ‘então?’ E não teve resposta”.

Esta investigação acabou por não ser seguida, por o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa não ter permitido escutas. Mas está apensa ao processo.

No dia do assalto, recordou Luís Neves, o coronel Luís Vieira comunicou-lhe que material tinha sido roubado para informação interna e externa. A partir de então, a situação mudou. “A 30 de Junho, sentimos grande repulsa da PJM a que lhe fosse retirada a investigação”, descreve. E, a 4 de Julho, na visita a Tancos, o chefe da PJM admitiu a existência de uma denúncia em Abril. “Foi catastrófico para a investigação, que acabou por ser destruída e esventrada”, lamentou.

Já antes, o inspector da PJ que queria recolher os objectos encontrados na cena do crime para exames e perícias teve uma experiência inédita: “Foi destratado pelo coronel Luís Vieira.” Este relato conclui com o achamento na Chamusca, a 18 de Outubro de 2017, de parte do material roubado. “Queríamos proceder à fiscalização da zona, mas o material já tinha sido levantado”, descreve. Foi ao meio-dia, quando a chamada anónima que alertou a PJM ocorreu entre as duas e as três da madrugada. 

“Antes do almoço [18 de Outubro], há um comunicado da PJM no qual se diz que na sequência de uma investigação” da Judiciária Militar fora encontrado o material roubado - o que está na base, conclui o director da PJ, da encenação. “Tudo foi desmontado no curso das investigações”, garante. E há outro insólito: “Entre as 12 e as 16 ou 17 horas foi-nos barrado o acesso a Santa Margarida [para onde o material fora levado]”.

Luís Neves considerou, por fim, que o ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, não estava ao corrente destes factos. “Vi-o, em Junho, Julho de 2017, agastado com [a diferença entre] o que tinha de informação da sua própria estrutura e a realidade”, assegurou.

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