May considera preferível sair sem acordo do que com um mau acordo

No final de mais um dia de total indefinição, o Parlamento britânico prepara-se para esta noite tentar apropriar-se da condução do “Brexit”.

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May no Parlamento REUTERS

Theresa May apresentou-se no Parlamento britânico para reconhecer que não conseguiu reunir os votos suficientes para apresentar pela terceira vez consecutiva o acordo que negociou com Bruxelas, já por duas vezes rejeitado pelos deputados. Mas a primeira-ministra britânica, apesar da sucessão de derrotas, ainda não desistiu. Mostrou-se, aliás, mais intransigente que nunca. Ao ponto de ter afirmado, para que ninguém duvidasse, que continua a acreditar que “uma saída sem acordo é melhor do que um mau acordo”.

A primeira-ministra britânica voltou a garantir que continuará a procurar os votos que lhe faltam. Lembrou que as alternativas que o Parlamento possa encontrar – os chamados “votos indicativos” - não são vinculativas e que não pode comprometer o Governo a aceitá-las.

May voltou a rejeitar qualquer hipótese de manter o Reino Unido na União Aduaneira, a solução que resolveria imediatamente a questão irresolúvel (até agora) do backstop irlandês, mas também qualquer possibilidade de um segundo referendo, mesmo que fosse essa a vontade do Parlamento.

Na resposta à primeira-ministra, o líder da oposição, Jeremy Corbyn, mostrou-se igualmente intransigente, apontando como o único caminho a apropriação do “Brexit” pelo Parlamento, “para trabalhar em conjunto num plano B”. O líder do Labour disse ainda que a condução do “Brexit” pelo Governo se transformou num “embaraço nacional” e que era “irresponsável” e “perigoso” que May “colocasse o Parlamento contra o povo”.

Foi a deixa para que a líder britânica notasse a sua ausência na manifestação que reuniu no sábado passado, em Londres, um milhão de pessoas em defesa da permanência do Reino Unido na União Europeia. May argumentou que colocar o Parlamento contra o povo seria não cumprir a decisão do referendo de 2016, a favor da saída.

Apropriação

O que está em em causa nesta segunda-feira é a possibilidade de apropriação pelo Parlamento da condução do “Brexit”, perante o falhanço do Governo em levar o seu acordo a bom porto. Várias propostas foram apresentadas nesse sentido por grupos de deputados conservadores, trabalhistas e liberais-democratas, com votação marcada para as 22h.

Entre elas, aquela que poderia vir a suscitar maior consenso era a “Emenda A”, apresentada pelos antigos ministros conservadores Oliver Letwin e Dominic Grieve e assinada por mais de 120 deputados de todas as bancadas, que previa o agendamento para quarta-feira do debate dos chamados “votos indicativos”, sem especificar que opções deveriam ser votadas nem como.

May quer agendar para o mesmo dia a votação do adiamento obtido em Bruxelas na semana passada da data inicialmente marcada para a saída do Reino Unido – 29 de Março pelas 23h. Com a apropriação do “Brexit” pelo Parlamento, o passo seguinte seria a votação de diferentes alternativas para vencer o impasse – desde a renegociação do acordo até eleições antecipadas (que Jeremy Corbyn deseja), passando pela organização de um novo referendo. Os cálculos sobre as hipóteses de cada uma destas soluções ainda não são claros. 

Mais um dia de caos

Durante o fim-de-semana, a hipótese de Theresa May oferecer a sua demissão à ala mais radical dos conservadores a troco da aprovação do seu acordo chegou a ganhar algum peso. May utilizou todas as armas ao seu alcance para pressionar o partido, da ameaça de novas eleições, que ninguém quer, à insinuação de uma saída sem acordo, o que alguns querem mas muitos não querem, passando pela hipótese de ser ela própria a apresentar ao Parlamento várias saídas possíveis em alternativa ao seu acordo, incluindo aquela que o seu próprio partido mais teme – a de um adiamento sinae die do Brexit.

Quando tomou a palavras, às 15h30, foi afinal para dizer que ainda não tinha condições para apresentar pela terceira vez o acordo à votação, mas também que ainda não desistira de o fazer.

May tem ainda duas armas a seu favor para continuar a teimar. Em primeiro lugar, só muito dificilmente seria deposta por uma moção de censura apresentada pela oposição. O Labour tentou essa jogada logo a seguir à segunda rejeição do acordo e perdeu. Não se arrisca a uma segunda derrota.

A outra “moção de censura” possível viria do próprio grupo parlamentar conservador, mas, em Dezembro, os radicais tentaram e também a perderam, o que a põe a salvo de novas tentativas durante um ano. Além desta protecção, qualquer decisão tomada sobre o “Brexit” no Parlamento não é vinculativa para o Governo, mesmo que signifique uma enorme pressão política sobre ele, como ela própria se encarregou de lembrar ontem, em Westminster.

A tentação de uma “fuga para a frente” da primeira-ministra britânica, correndo o risco de um “acidente” que leve a uma saída sem acordo – agora a data limite é 12 de Abril – também não era totalmente descartada pelos analistas. Sem que ninguém possa obrigá-la a demitir-se, a não ser a demissão em massa do seu próprio Governo, este cenário volta a estar em cima da mesa, apesar das consequências “catastróficas” que teria para “o país e para a sua economia”, nas palavras do próprio ministro das Finanças, uma das vozes mais moderadas num debate que parece radicalizar-se a cada momento.

Philip Hammond, em declarações depois de uma reunião matinal do executivo, também acrescentou que a ideia de um novo referendo não deixava de ser uma “proposta coerente”, mesmo acrescentando não saber se haveria em Westminster votos suficientes para aprovar esta solução.

Hammond também afastou os insistentes rumores que marcaram o fim-de-semana sobre um eventual “golpe” no Governo para substituir May, alegando que não resolveria nenhum problema.

No fim-de-semana, a imprensa chegou a apontar dois nomes como possíveis sucessores da primeira-ministra – Michael Gove, o seu ministro do Ambiente, e David Lidington, que funciona informalmente como vice-primeiro-ministro. O primeiro fez campanha pela saída no referendo de 2016. O segundo é um convicto pró-europeu. Ambos negaram qualquer complot.

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