“Netanyahu é de direita quando é altura de ser eleito, mas em termos de política é muito moderado”

Yonatan Freeman: O professor de ciência política faz um guia da campanha para as legislativas em Israel, a 9 de Abril. Na véspera, Netanyahu foi a Washington receber apoio de Donald Trump, que precisa de uma vitória do Likud para aumentar as hipóteses do seu plano de paz.

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Benjamin Netanyahu chega a Washington para Trump o ajudar na campanha EPA

 ​Os israelitas preparam-se para ir às urnas a 9 de Abril, numa eleição em que o favorito é o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, do Likud, que há dez anos ocupa o cargo. Isto apesar dos escândalos de corrupção em que é suspeito e de um desafio forte de uma aliança liderada por um antigo chefe do Exército, Benny Gantz. Nesta segunda-feira, Netanyahu e Gantz estão em Washington, mas é o primeiro-ministro que deverá retirar o maior ganho político com um encontro com o Presidente Donald Trump, que lhe “oferece” a oficialização do reconhecimento por parte dos EUA da soberania israelita sobre os Montes Golã, conquistados à Síria na guerra de 1967 e anexados em 1981. O professor de ciência política da Universidade Hebraica de Jerusalém, Yonatan Freeman, explica os cálculos por trás das acções de campanha e por que considera mais provável que, se vencer, Netanyahu queira uma coligação mais ao centro.

O que distingue estas legislativas de anteriores?

O que estas eleições têm de diferente é que vários partidos pequenos poderão não conseguir ultrapassar o limite mínimo para entrar no Parlamento. Eram partidos que estavam no actual Knesset [Parlamento], e que podem não ser reeleitos. 

Também é diferente um partido com três antigos chefes do Exército concorrerem juntos - o partido de Benny Gantz. Já há muito tempo que não temos um partido desse género; já tivemos, mas há décadas. Isso é especial. 

Como se explica o sucesso desse partido de antigos militares nesta altura, quando a guerra não é a questão número um das eleições?

O apoio a este partido não vem do facto de estas pessoas poderem fazer alguma coisa em relação a Israel em termos de segurança - esta já é muito forte. O mais interessante é o que estes antigos chefes militares representam. Durante muitos anos, e desde que o Estado de Israel foi criado, os altos responsáveis do Exército eram vistos como pessoas com bons valores morais, que não eram corruptas, que diziam a verdade. É como se dissessem a Netanyahu: “o nosso percurso mostra que não somos corruptos - nós achamos que tu és”. São vistos como tendo fortes valores morais porque chegaram tão longe na carreira militar, e o Exército é visto como a instituição que é menos corrupta e mais baseada em valores.

Como comenta os anúncios como o da ministra da Justiça com um perfume chamado fascismo, e outro do Likud, de Benjamim Netanyahu, com caras de jornalistas que dão notícias sobre os casos de corrupção do primeiro-ministro e que diz “Eles não decidem, tu decides, vota Likud”?

Vê-se uma grande influência da campanha norte-americana de 2016. O que se está a passar em Israel foi algo que vimos em 2016 nos EUA, não só pela mão de Donald Trump mas também de candidatos ao Congresso. Isto tanto no tipo de mensagem como no tipo de anúncios, muito curtos, muito directos, envolvendo muitas coisas fora do comum, feitos para serem título de notícias e tornar-se virais nas redes sociais. À medida que as eleições se aproximam, vamos ver mais destes anúncios.

São feitos para chocar?

Sim, e são muito directos: “Somos de direita, somos fortes, temos sucesso": Netanyahu diz isto mesmo no anúncio. Enquanto Gantz é descrito como sendo “de esquerda, fraco, e teve uma empresa que faliu”. Cada lado tenta usar o mínimo de palavras para descrever o outro.

Ser de esquerda tornou-se uma espécie de insulto na política israelita?

Não sei se usaria a palavra insulto. Mas em termos de tendência, nas últimas décadas, Israel tem sido de centro-direita. Posso dar um exemplo: em 1996, Netanyahu concorreu contra Shimon Peres, e um conselheiro de Netanyahu, Norman Finkelstein, disse que Netanyahu ia ganhar. Ele fez uma sondagem perguntando às pessoas como definiam a sua identidade em primeiro lugar, se judias ou israelitas? A maioria disse que era primeiro judia e depois israelita. O que isso mostra é que são de centro-direita. E o que vemos é que também nas últimas décadas Israel se moveu cada vez mais para a direita, e não só por questões de segurança, pelo que se passa no Médio Oriente, mas pela religião judaica e aquilo a que se tem chamado de renascença judaica: as pessoas são mais religiosas, ou seja, mais tradicionais, mais conservadoras.

Agora, ao tentarem dizer que os outros são de esquerda, querem fazer com que os israelitas falem de si próprios mais como de direita, e assim, quando votam, pensam: ‘não posso votar em alguém que não está no meu campo, posso votar em partidos diferentes, mas apenas nos de direita, porque os outros não são como eu’.

O país tem virado para a direita. E Netanyahu?

É verdade que ele tem mudado ao longo dos anos. Por um lado é descrito como sendo de direita e ele próprio o diz, mas em termos de política, não vemos sinais de que ele esteja mais à direita. No que projecta, sim, e é eleito por pessoas de direita. Mas as suas políticas são muito moderadas e não podemos excluir que, a seguir à eleição, a primeira pessoa a quem ele telefone para se juntar à sua coligação seja Benny Gantz. 

E quando Donald Trump apresentar o seu “deal of the century” [como ficou conhecida a proposta prometida de acordo israelo-palestiniano que deverá ser apresentado após as eleições], quererá ter uma coligação em Israel que o possa aceitar. Por isso, Netanyahu é de direita quando é altura de ser eleito, mas em termos de política é muito moderado e mudou para ser mais para o centro.

E políticas como a lei do Estado Nação, que trazem grande atenção internacional? 

Trazem sim, e ele gosta disso, mesmo que condene as críticas quando diz “o mundo não sabe que somos um Estado judaico”. Mas, no fundo, os títulos a dizer que ‘o mundo está contra nós’ são bons para Netanyahu. Isso mostra que é de direita. Se as pessoas pelo mundo querem substituí-lo e votar na esquerda, deviam criticá-lo menos. (risos)

Mas ao longo dos tempos tem governado com partidos muito à direita?

Sim, mas tem tentado sempre aliar-se primeiro aos maiores partidos a seguir ao Likud, que até nem têm sido de direita mas sim de centro ou centro-esquerda. Na campanha, a mensagem é que a sua prioridade é governar com os partidos de direita. Mas é do interesse de Netanyahu ter uma coligação tão alargada quanto possível. Ontem [sábado] na televisão não excluiu juntar-se à aliança Azul e Branca de Benny Gantz, disse apenas que era pouco provável e que dependia se aceitassem as políticas do seu Governo. E o “deal of the century” torna isto mais provável.

Que influência poderá ter a decisão do Supremo Tribunal de proibir um candidato, Michel Ben-Ari [por incitamento a racismo]? 

É a primeira vez que tal coisa acontece, o Supremo dizer “esta pessoa não pode concorrer”. No passado fê-lo com o partido de  [Meir] Kahane, mas desta vez fê-lo com esta pessoa específica. E acredito que isso vai ter efeito nos votos. Porque o Supremo tem sido um tópico tenso nesta campanha - a direita acusa-os de fazer muita coisa contra o país, e isto pode ajudar a galvanizar e encorajar os eleitores a votar em partidos que querem mudar o que o Supremo pode fazer, a sua intervenção na legislação. Na semana passada, de [Ayelet] Shaked e [Naftali] Bennet [o partido que saiu de uma cisão no nacionalista religioso Casa Judaica e se apresenta como religioso e secular], até ao Likud, todos estão a falar do que planeiam a fazer e o Supremo é um dos principais temas desta eleição.

O texto do anúncio da ministra da Justiça [do perfume Fascismo] era precisamente sobre a relação de poder entre o ramo legislativo e o da justiça [acaba com a frase: “Dizem que é fascismo, a mim cheira-me a democracia"]. Penso que esta questão acabará por galvanizar o eleitorado.

Outro grupo que pode ser galvanizado é o dos árabes israelitas?

Na última eleição havia um grande partido árabe na corrida, desta vez há dois. Provavelmente ambos vão conseguir entrar no Knesset, as sondagens mostram isso e penso que terão mais ou menos o mesmo resultado. Mas tem razão quando diz que podem ser galvanizados. Na última eleição Netanyahu disse, uns dias antes da votação, que os árabes israelitas estavam a vir em autocarros para votar e a esquerda estava a ajudá-los. E isso não era verdade. Agora os árabes israelitas estão a tentar que desta vez seja verdade, e a planear uma campanha para ter mais participação. Também a lei do Estado Nação pode galvanizar os eleitores. E é interessante que quando o Supremo proibiu Ben-Ari de concorrer, aprovou o candidato de um dos partidos árabes [que tinha sido rejeitado pela Comissão Eleitoral], o que criou a sensação de que têm os árabes israelitas têm algum poder pois o Supremo decidiu a seu favor. Por isso prevejo que haja uma participação maior dos eleitores árabes desta vez. 

O que pode ainda ter influência na campanha?

Há dois grandes acontecimentos nesta semana: Netanyahu vai estar hoje em Washington e encontrar-se com Donald Trump, e Benny Gantz vai falar na AIPAC, grupo de lobby judaico nos EUA. São acontecimentos que vão ter influência na campanha. Netanyahu é o favorito de Trump, ele tem de o ajudar, e um modo de o fazer é assinando o reconhecimento pelos EUA da soberania israelita sobre os Montes Golã (e ainda temos de ver exactamente o que isso implica em termos da lei americana)​.

Para além da amizade, Donald Trump sabe - e isto foi provado cientificamente por estudos - que o único Governo em Israel que pode fazer concessões e dar algo aos árabes e palestinianos é um governo que seja visto como sendo de direita. O Governo que é mais contra concessões é o Governo que mais capaz de as fazer. Trump precisa de um Governo de direita em Israel, caso contrário terá mais dificuldades em conseguir que o seu plano seja aceite, pelo menos, pelos israelitas.

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