Há cinco mapas em Coimbra que mostram o mundo do século XVIII

Documentos estiveram esquecidos durante anos no sótão do museu. Agora foram recuperados e expostos

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Adriano Miranda

Para contar a última parte da história dos cinco mapas de Jean Baptiste Nolin II que o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (UC) colocou em exposição no início deste ano, tem que se regressar a 2006. Para se contar a primeira parte do percurso dos cinco documentos ilustrados que representam o globo terrestre, África, América, Ásia e Europa, tem que se voltar bem mais atrás, a meados do século XVIII. Pelo meio, há que considerar alguma margem de incerteza.

É desconhecida a data e o meio através do qual chegaram a Coimbra, mas calcula-se que os mapas datados de 1740 tenham sido enrolados e depois transportados até à cidade. Só ali deverão ter sido emoldurados, com madeira nobre coberta de azul (a cor da ciência) e dourado, moldura que ainda mantêm. No Verão de 2006, numa ida ao sótão do antigo Colégio de Jesus, um dos edifícios onde está instalado o museu, o conservador de geologia, Ricardo Paredes, deu com os mapas. “Não se sabe durante quanto tempo lá estiveram”, conta, deduzindo que, como houve uma intervenção no tecto do edifício no final dos anos 1980, é pouco provável que os documentos cartográficos tenham ali sido depositados antes. “Para nós foi um espanto imenso. Para já, não há nenhuma documentação que ateste a vinda dos mapas para a UC”, afirma.

Mesmo que tenham estado apenas duas décadas no sótão, foi suficiente para que se tenham degradado. Não estavam protegidos e, com o tempo, foram ganhando pó e formando uma patine. “Estamos a falar de amplitudes térmicas que vão de temperaturas quase negativas no Inverno aos 40 graus no Verão”, refere Ricardo Paredes.

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O restauro não foi imediato, recorda a directora do museu, Carlota Simões. Depois do parecer técnico da DGPC e de se encontrar financiamento, o primeiro a ir para uma empresa especializada foi a América, para se perceber “se o restauro tinha viabilidade”. O restauro que se fez acabou por aproveitar os materiais originais, explica o responsável pelas colecções do Museu da Ciência, Pedro Casaleiro, embora a grade em madeira que suportava cada um dos quadros tenha sido substituída.

Entre a arte e a ciência

Sobre o autor dos mapas, sabe-se que herdou do pai – que até esteve envolvido num caso de plágio no final do início do século XVIII – o negócio e o nome. Jean Baptiste Nolin II imprimia e vendia mapas, sendo que os de Coimbra foram aquarelados à mão e contêm um brasão do monarca francês Luís XV.

Os mapas não são apenas representações dos continentes à luz de uma época. Os continentes são rodeados por ilustrações com cenas bíblicas, de Adão e Eva à expulsão do paraíso, e por informação sobre os territórios, desde a história a missões católicas em África. “O mais notável é a qualidade dos mapas, da época do Luís XV, do iluminismo”, destaca Carlota Simões. E do ponto de vista do rigor? “Isso é outra coisa. Falo de qualidade estética. É claro que, do ponto de vista geográfico havia muitos erros”.

A dificuldade em representar as silhuetas continentais, numa altura em que muitas das técnicas que tornaram a cartografia mais precisa ainda estavam por surgir, é visível. O subcontinente indiano, por exemplo, é apresentado com um formato delgado, semelhante à vizinha península Indochinesa, também dela deformada. “A geodesia veio mais tarde”, explica Carlota Simões. “A cartografia da costa era feita à vista”, daí que, “apesar do formato muitas vezes tosco, a linha de costa seja recortada com detalhe”.

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Os mapas de proporções mais fiéis serão mesmo o africano e o europeu. Compreensível, uma vez que eram os continentes sobre os quais havia maior conhecimento e registo a Ocidente, ainda que a ilha de Madagáscar surja inchada ou os lagos africanos ainda não estivessem todos cartografados. Por outro lado, uma pequena ilha como Santa Helena, no meio do Atlântico Sul (ou Oceano Etiópico, como é designado no mapa) é já incluída. Há ainda um outro aspecto curioso, acrescenta a directora: “Os mapas portugueses da mesma época eram melhores, porque nós conhecíamos isto tudo muito bem”.

A Oceânia está representada, mas ainda não tem honras de continente e com o nome de Nova Holanda. Tanto o Alasca como o estreito de Bering são desenhados de forma grosseira. Mais fantasiosa é a ponta mais meridional do continente americano, com monstros desenhados a circundar os mares do Sul da Argentina. Os cinco mapas estão expostos desde Janeiro na sala Paul Choffat, no antigo Colégio de Jesus, na Alta universitária de Coimbra.

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