Cinco medidas low cost/low tech para revolucionar a saúde em Portugal

São cinco medidas simples, cinco medidas de baixo custo, mas que poderão ter um grande impacto na saúde de todos.

Apesar de múltiplos indicadores nos mostrarem que temos um dos melhores Sistemas de Saúde do mundo, as queixas e controvérsias neste campo são frequentes e variadas. Um dos problemas mais comummente identificados relaciona-se com o subfinanciamento crónico do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Frequentemente, a discussão enreda-se na questão orçamental e entra num círculo vicioso, para o qual é difícil vislumbrar uma saída. A saúde é cara, as novas tecnologias da área – seja no campo das terapêuticas inovadoras, seja no campo da alta tecnologia aplicada ao diagnóstico ou às novas técnicas cirúrgicas – vão tornar a saúde cada vez mais cara, e, como não é possível suportar todos os custos, é difícil quebrar o ciclo.

Por isso, impõe-se um outro olhar, um olhar low cost/low tech. Um olhar que nos permita focar a atenção noutros aspetos essenciais da Saúde e que permita um certo distanciamento das limitações orçamentais. É que, por vezes, o centrar da atenção e do debate nas questões financeiras leva-nos a pensar que tudo o resto já foi alcançado e com sucesso. Será que foi, de facto? Eis cinco medidas de baixo custo, que poderão ter um grande impacto na Saúde dos portugueses.

1. Partilhar com o paciente informação sobre a medicação prescrita em internamento

Atualmente, o paciente é, talvez, o recurso mais subaproveitado na área da saúde em Portugal. E esta medida relaciona-se precisamente com esse facto. No consultório, quando o médico nos prescreve a medicação, entrega-nos uma receita, e dirigimo-nos à farmácia para adquirir os medicamentos. Sabemos o que tomamos e, idealmente, saberíamos o fim de cada medicamento que tomamos.

Contudo, se estivermos internados num hospital, a determinada hora, a enfermeira passa pela nossa cama, entrega-nos os comprimidos ou administra-nos um tratamento pelo soro e dificilmente sabemos o nome dos medicamentos que nos estão a ser administrados. Muito frequentemente, quando queremos essa informação e a pedimos, somos vistos como “inconvenientes” e sentimos que a informação nos é dada a contragosto.

Na verdade, isto é um contrassenso, pois trata-se de um direito fundamental de qualquer paciente, à luz dos princípios clássicos da ética médica. E porque é que partilhar a informação sobre a medicação prescrita em internamento é importante?! Porque seguramente iria evitar muitas prescrições desajustadas de medicamentos, porque, com muita frequência, o paciente ou a sua família sabe quais os medicamentos já experimentados pelo paciente, aos quais foi intolerante, porque se evitaria o esquecimento de medicação crónica que o paciente fazia no domicílio e cuja interrupção abrupta poderá levar a consequências desastrosas para a sua evolução clínica.

Solução para este problema? É simples, basta tornar a prescrição em papel obrigatória e que seja entregue ao paciente, podendo, por exemplo, ser guardada junto à cama de cada paciente. Poderá facilmente ser consultada pelo próprio ou pelos familiares aquando da visita se o paciente assim o entender.

2. Partilhar com o paciente informações sobre os principais potenciais efeitos adversos dos medicamentos e sobre como atuar caso eles ocorram

Nós, médicos, quando prescrevemos medicamentos, em grande parte das situações, conhecemos bem os seus principais efeitos adversos. Sabemos que quando prescrevemos um certo grupo de medicamentos para a hipertensão arterial, em cada 100 pacientes, cerca de dez irão desenvolver, ao fim de algum tempo, uma tosse seca irritativa. Sabemos que quando prescrevemos uma estatina para controlar o colesterol e diminuir o risco de a pessoa ter um enfarte ou um AVC, em cada 100 pacientes, cerca de dez irão desenvolver dores musculares.

Ora, se começarmos a explicar aos pacientes estes efeitos no momento da prescrição e se lhes explicarmos como atuar caso estes efeitos ocorram, evitaremos muitas atitudes inadequadas, frequentemente dispendiosas e, por vezes, até com riscos para a saúde. 

3. Partilhar com o paciente os potenciais efeitos adversos dos exames complementares de diagnóstico, sobretudo se efetuados com a intenção de rastreio

À semelhança dos medicamentos, os exames complementares de diagnóstico, das análises às radiografias e às TAC’s, também têm efeitos adversos. Contudo, no caso dos medicamentos, a nossa população está bem consciente da existência desses efeitos até porque os encontra na bula dos medicamentos. Mas tal não acontece no caso dos exames. Esses efeitos adversos podem ser particularmente importantes quando se realizam exames com intenção preventiva, em que o paciente está bem e faz apenas exames por rotina.

Por exemplo, quando se realizam marcadores tumorais em pessoas saudáveis, a probabilidade de se obter um falso positivo é considerável, com dano para o bem-estar psicológico do paciente e induzindo uma cascata desnecessária de exames que também podem implicar desconforto físico. A ocorrência de um falso positivo ou de um sobrediagnóstico são alguns dos principais efeitos adversos dos exames complementares sobre os quais temos que começar a falar aos nossos pacientes para que possam beneficiar de um uso mais racional dos mesmos. E o sobrediagnóstico leva-nos à próxima medida.

4. Informar os pacientes sobre o conceito de sobrediagnóstico

Um dos conceitos mais inovadores das últimas décadas em medicina prende-se com o conceito de sobrediagnóstico. O sobrediagnóstico não é sinónimo de obter um resultado falso positivo. Ser sobrediagnosticado significa ser diagnosticado com uma doença que, apesar de existir, nunca iria manifestar-se, nem iria provocar sofrimento ou morte da pessoa, podendo a pessoa viver como portadora da doença, mas sem que disso se aperceba e sem qualquer padecimento ou outra consequência negativa. Só que, após o diagnóstico, estes pacientes acabam por ser tratados. Na verdade, é um tratamento desnecessário, porque a doença diagnosticada nunca se iria manifestar. E, por isso, também se pode designar o sobrediagnóstico por diagnóstico desnecessário.

Este é um problema real da medicina atual. Dispomos de estudos que apontam para milhões de pessoas sobrediagnosticadas com cancro da próstata ou cancro da mama. Pessoas estas que receberam, com todo o impacto que isso implica, a notícia desnecessária de que tinham cancro e sofreram tratamentos desnecessários, agressivos, com impacto considerável na sua qualidade de vida.

Em cada 2000 mulheres que efetuam mamografia para rastreio do cancro da mama, evita-se que uma mulher morra por cancro da mama, mas dez mulheres irão ser sobrediagnosticadas e sofrer um tratamento desnecessário. E cerca de 200 mulheres irão passar pelo efeito adverso (Medida 3) de obter um resultado falso positivo. 

5. Ao nível das consultas externas, abandonar o modelo de marcação de consultas por “blocos de horário"

Se foi possível reformar os Cuidados de Saúde Primários e terminar com as idas de madrugada para as portas dos Centros de Saúde, não será tempo de mudar a metodologia de agendamento das consultas externas ao nível hospitalar?

Certamente que não será assim em todas as consultas externas, mas em muitas ainda se agendam todos os doentes que vão ser atendidos num período de consultas, por exemplo, das 8h30 às 10h30, para as 8h30. Isso significa que um grupo de pacientes vai chegar às 8h30 e só irá ser atendido cerca de uma hora e meia depois. Isto gera imenso descontentamento nos pacientes, perturbando desde logo a eficácia da consulta, e perda de tempo útil para os pacientes.

São cinco medidas simples, cinco medidas de baixo custo, mas que poderão ter um grande impacto na saúde de todos. Muitas destas medidas estão certamente nas mãos dos profissionais de saúde, mas um empenho estruturado tornará muito mais fácil a sua implementação. Por outro lado, muitas destas medidas darão um contributo importante para uma relação médico paciente mais positiva e contribuirão para tornarmos os portugueses mais capacitados e mais literatos em saúde.

Para o bem de todos, para o bem do SNS, para o bem do Sistema de Saúde.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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