Tomás Correia pôs em acta que tem de ser o Montepio a pagar as suas multas

Supervisor condenou o presidente da mutualista ao pagamento de 1,25 milhões de euros. Tomás Correia acautelou, em Março do ano passado, que o banco se responsabilizasse pelo pagamento dos custos em que pudessem incorrer os "administradores pelos processos relacionados com a sua actividade" ou resultantes de "documentos emitidos por entidades oficiais".

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

A 16 de Março de 2018, dia em que Carlos Tavares assumiu a presidência executiva da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), agora designada Banco Montepio, foi convocada uma assembleia geral (AG) de surpresa durante a qual o presidente da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), Tomás Correia, aprovou uma iniciativa que está a levantar ruído por o proteger, caso o BdP ou o Ministério Público o acusem de ilegalidades ou actos de gestão irregulares ou danosos. O tema tem gerado polémica mas está formalizado numa acta, a que o PÚBLICO teve acesso, mas que escapou ao escrutínio dos associados e dos órgãos sociais por não ter ainda sido publicada no site oficial do banco.

Na qualidade de representante do accionista [AMMG] único da CEMG, o líder da maior instituição da economia social apareceu na AG com uma proposta destinada a indemnizar os corpos sociais que nesse dia ia substituir. E de forma inesperada introduziu uma deliberação que está a levantar controvérsia em torno da mutualista, pois obriga ao “pagamento pela Sociedade [Banco Montepio] dos custos em que possam incorrer os actuais ou antigos administradores e membros de outros órgãos sociais da Sociedade, relacionados com quaisquer processos ou procedimentos que sejam directa ou indirectamente relacionados ou resultantes da sua actividade na Sociedade e que resultem de contas de honorários passadas na devida forma ou de documentos emitidos por entidades oficiais.”

Fernando Ribeiro Mendes, que nessa altura pertencia ao Conselho de Administração da AMMG, interpelado pelo PÚBLICO, confirmou que Tomás Correia formalizou esta deliberação “sem mandato do Conselho de Administração ou do Conselho Geral”, ou seja, sem o conhecimento oficial de gestores e de conselheiros. Trata-se de uma resolução sensível, por ser onerosa para o banco, mas também explosiva. Isto porque, indicia um potencial conflito de interesses, já que quem a apresentou e a aprovou (Tomás Correia) pode ser o seu beneficiário, em prejuízo dos associados em nome dos quais interveio.

A regra na banca passa por serem as instituições a assumirem os custos quando os gestores são alvo de processos movidos por decisões erradas, que levantam controvérsia ou por falhas processuais. Já não é assim quando estão em causa práticas criminais. A concessão de créditos em larga escala a clientes sem pedir garantias e sem que o banco se tenha salvaguardado é susceptível de configurar estes crimes. E este é o ponto crucial. A possibilidade de libertar os administradores de pagarem os custos que possam recair sobre eles por actos de gestão danosa, é que está a levantar um coro de protestos.

A acta secreta

A acta da AG de 16 de Março de 2018, que está na posse do PÚBLICO, ao contrário do que é habitual nunca foi publicada no site oficial do banco, sendo o seu conteúdo até este momento desconhecido da generalidade dos membros dos órgãos sociais da Associação, como adiantou ao PÚBLICO Carlos Areal, que integra o Conselho Geral da mutualista: “Desconheço a existência dessa acta, nunca a li. Apenas sei o que o drº Eugénio Rosa escreveu sobre suspeitas de que teria havido uma decisão que colocava o banco a suportar a defesa individual dos gestores em termos de coimas, de custas judiciais e com pagamentos a advogados.”

Este conselheiro sublinha mesmo que “cabia ao dr. Tomás Correia, como representante único do accionista, o dever de informar o Conselho Geral dessa deliberação. Mas nunca o fez.”

Carlos Tavares, actual chairman do Banco Montepio, desdramatizou o tema, alegando que da leitura da proposta apenas se pode concluir que o banco terá de pagar as custas judiciais e os honorários com advogados que apoiam os ex-gestores condenados pelo BdP, mas não as multas aplicadas pelo supervisor. No entanto, esta leitura afasta-se do que está formalizado em acta, nomeadamente quando se refere que fica aprovado “o pagamento pela sociedade dos custos em que possam incorrer os (…) administradores (…) relacionados com quaisquer processos (…) resultantes da sua actividade na Sociedade”.

O supervisor aplicou multas que perfazem 2,5 milhões de euros à equipa de Tomás Correia, tendo este tido o maior castigo: 1,25 milhões de euros. O líder da Associação já informou que vai recorrer da contra-ordenação do BdP. Os restantes sete ex-gestores punidos (José Almeida Serra, Álvaro Dâmaso, Eduardo Farinha, Rui Amaral, Paulo Magalhães, Jorge Barros Luís e Pedro Ribeiro) foram condenados a multas entre 17,5 mil e 400 mil euros e também as vão contestar.

As acusações do BdP resultam da auditoria especial desencadeada no Verão de 2014 a 60 contratos de crédito concedidos pela CEMG desde 2009, acabando a concluir que se cometeram vários crimes relacionados com créditos de favor, dados sem garantia, ou irregulares, todos beneficiando os clientes que nunca os liquidaram. Entre as situações apuradas está a relação comercial da CEMG com a família do construtor José Guilherme, que deu o presente de 14 milhões de euros a Ricardo Salgado, e que se foi financiar junto da CEMG em 27 milhões de euros (que estão por liquidar). Tomás Correia chefiou o banco entre 2008 e o Verão de 2015, quando foi substituído por Félix Morgado, e está também sob escrutínio do Ministério Público, nomeadamente pela relação com José Guilherme e Ricardo Salgado.

O filme da AG

Mas há mais questões a levantar ruído em torno da convocação da assembleia-geral (AG) de 16 de Março de 2018. Desde logo por ter sido marcada em cima da hora, no mesmo dia. E em condições inéditas. Para além de Tomás Correia, o delegado do accionista (AMMG), assistem também ao encontro o presidente da Mesa da AG e o seu secretário. Mas naquele dia, Tomás Correia chamou os executivos da CEMG, bem como membros do Conselho Geral e de Supervisão, apesar de terem sido destituídos em pleno almoço de Natal do Montepio.

Às 14h37 de 16 de Março de 2016 foi emitida a primeira convocatória, para as 18h00, com dois pontos em agenda: aprovar a alteração de estatutos da CEMG e eleger os novos órgãos sociais do CGS e do Conselho de Administração Executivo (CAE).

Dali a pouco tempo, às 15h06, chegou a segunda convocatória, para as 18h30, com apenas um ponto para discutir: aprovar o regime de indemnizações a pagar aos titulares dos órgãos sociais da CEMG. Nada é referido sobre a proposta que visa colocar o banco a assumir os custos decorrentes de processos desencadeados por actos de gestão.

Félix Morgado não compareceu nas instalações da AMMG na Rua do Ouro, em Lisboa, no Salão Nobre do piso 3, onde decorreu a reunião magna. Ao contrário de João Neves, Luís Almeida, Fernando Ferreira Santo, Luís Miguel Jesus, e dos membros do Conselho Geral e de Supervisão, Arez Romão (presidente), Luís Guimarães, Vítor Carmo Martins, Rui Matos Heitor, que estiveram presentes.

Da leitura da acta percebe-se como decorreram os trabalhos. Depois de ter concordado com o presidente da Mesa da AG da CEMG, Manuel Cardoso Martins, em dispensar a assembleia de formalidades prévias, Tomás Correia usou da palavra: “teria sido muito fácil [...] fazer cessar os mandatos [nomeadamente o da equipa de Félix Morgado], não decorrendo daí, segundo os juristas, quaisquer direitos para os membros dos órgãos sociais”, pois tinham sido já demitidos. E avisou que na perspectiva da associação os salários de todos os corpos sociais destituídos deveriam continuar a ser pagos até final do mandato, 31 de Dezembro de 2018. Isto é, depois de terem deixado o cargo e de uma nova administração estar em funções. Ou seja: durante 10 meses a CEMG pagou vencimentos a duas equipas diferentes, uma no activo, outra já fora do banco.

Tomás Correia clarificou ainda que depois de ter pedido a Félix Morgado que lhe entregasse uma proposta de “deliberação” e de confidencialidade, este apresentou uma solução que não cumpria o que fora combinado. E não chegando a acordo sobre o que cada um entendia por benefícios, Tomás Correia avança com uma proposta que surpreende os “convidados” ao isentar os órgãos socias de todos os custos por futuras infracções que tenham cometido ou venham a cometer, susceptíveis de serem punidas com multas. A AG aprova esta deliberação com um apenas um voto, o seu, o de Tomás Correia, o representante do accionista único.

Nova AG no horizonte

Todas estas movimentações decorrem num contexto particular: o BdP estava a finalizar os processos de investigações à CEMG, já havendo indícios de que dali resultariam condenações; e antes do final do ano haveria eleições para a liderança da AMMG. Sentado há 10 anos na presidência do Montepio, Tomás Correia, militante socialista, posicionava-se então para concorrer pela quarta vez.

A intenção é confirmada dali a poucos meses e na sua lista para a administração está a deputada do PS, Idália Serrão, o ex-presidente da Câmara Municipal de Grândola, Carlos Beato, e dois quadros do Montepio - um gestor da equipa de Félix Morgado, Luís Almeida, e o economista Virgílio Lima. E na esfera de apoiantes constam muitos políticos do Bloco Central, com afinidades ao mundo da advocacia e dos negócios, alguns transnacionais, e da maçonaria, círculo em que se move. Entre os nomes do PS que mais se destacam estão Maria Belém, Jorge Coelho, João Soares, Luís Patrão e Lacerda Machado, enquanto pelo PSD estão dois advogados, que acumulam com o cargo de deputados, José Matos Correia e José Eduardo Martins, e ainda Fernando Seara. Em Dezembro de 2018, Tomás Correia é reeleito com apenas 42% dos votos. 

Esta segunda-feira, véspera Carnaval, ao final do dia, os conselheiros da AMMG, onde se incluem os delegados das listas opositoras de Tomás Correia, foram novamente surpreendidos. Desta vez, receberam um email enviado pelo presidente da Mesa da Assembleia Geral, Vítor Melícias, a convocar o Conselho Geral para uma reunião na próxima terça-feira, 12 de Março, pelas 15 horas. É a primeira vez que o CGS se junta desde que se realizaram as eleições de Dezembro.

Na agenda está, por exemplo, a análise das contas relativas a 2018. No entanto, os documentos distribuídos aos conselheiros para reflexão estão incompletos, faltando, por exemplo, os Relatórios dos Auditores e do Conselho Fiscal. O que já sabe é que o resultado operacional é de seis milhões de euros negativos e o resultado líquido de 1,6 milhões de euros positivos, valor sustentado por onze milhões de euros de impostos diferidos. 

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