Neto de Moura pediu para deixar de julgar violência doméstica, Supremo não autorizou

Um dos conselheiros que mantiveram Neto de Moura a julgar estes crimes foi procurador-geral da República. Pedido de escusa apresentado pelo juiz da Relação do Porto é do Verão passado, quando ainda não tinha sido punido pelo Conselho Superior da Magistratura.

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Miguel Manso

O juiz Neto de Moura já pediu para deixar de julgar casos de violência doméstica, pelo menos durante um certo período. Mas o Supremo Tribunal de Justiça negou-lhe essa pretensão.

Foi em meados de Junho passado que o magistrado, já então conhecido pelo célebre acórdão das “mulheres adúlteras”, se viu na iminência de ter de decidir sobre mais um caso relacionado com violência doméstica. Nesta altura já Neto de Moura se tinha tornado conhecido por ter desculpabilizado, neste e num noutro acórdão, este tipo de crime, muito embora ainda não tivesse sido alvo de crítica por parte do Conselho Superior da Magistratura. O magistrado havia mais tarde de ser punido com uma advertência, uma das sanções mais leves do catálogo disciplinar da classe.

No pedido de escusa que enviou ao Supremo no Verão passado, o juiz do Tribunal da Relação do Porto queixava-se de “algumas pessoas” – que não identificava – terem “cavalgado esta onda de mentira e deturpação” sobre as suas decisões, promovendo contra si “uma campanha de ódio e de instigação à violência, com apoio da comunicação social”. Como é hábito nos meandros judiciais, Neto de Moura fala de si próprio na terceira pessoa: “Tem-se andado a escabichar as decisões em que intervém o juiz para as pôr em causa e encontrar um pretexto (qualquer que seja) para prosseguir a campanha persecutória”. Campanha que, no seu entender, ainda por cima estava a conseguir ter eco no Conselho Superior da Magistratura.

É neste contexto que lhe chega às mãos o recurso de um suspeito de violência doméstica que se encontra preso preventivamente, e que o tribunal de primeira instância da Maia se recusa a libertar. O próprio Ministério Público defende que o homem fique a aguardar julgamento em prisão domiciliária, mas Neto de Moura sente-se desconfortável, qualquer que seja a decisão que possa vir a tomar.

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“Se for no sentido da revogação da prisão preventiva, é altamente provável que irá desencadear mais histeria, mais campanhas de ódio e mais exigência de reacção punitiva por parte do Conselho Superior da Magistratura”, equaciona o juiz. “Que (…) não deixará passar a oportunidade de voltar a arrogar-se o poder de sindicar a decisão judicial e reincidir na perseguição disciplinar”. Porém, acrescenta, caso resolva manter o suspeito na cadeia também terá a vida dificultada: “Se a decisão for no sentido da manutenção da prisão preventiva o arguido, com toda a legitimidade, dirá que toda esta situação afectou a isenção e a liberdade de decisão” do magistrado, “e porá em causa a justiça da decisão”.

Por isso, Neto de Moura pede aos colegas do Supremo para não ser obrigado a julgar o caso, uma vez que há o risco de a sua intervenção gerar desconfiança, “por estar condicionado e, portanto, não ter plena liberdade de decisão”. Um pedido que, a julgar pela resposta que recebe dos conselheiros Carlos Almeida, Baltazar Pinto e o ex-procurador-geral da República Souto de Moura, não se circunscreveu só a este caso.

“O senhor juiz desembargador parece implicitamente pretender que o Supremo Tribunal de Justiça o dispense, pelo menos por um determinado período de tempo, de intervir em processos que versem sobre violência doméstica. Trata-se de desejo que, pela sua natureza e extensão, não pode ser acolhido por este tribunal”, pode ler-se no acórdão que responde ao pedido de Neto de Moura. Por outras palavras, não existe uma lei que permita ao Supremo dispensar um juiz de todos os casos de determinado género. Os pedidos de escusa têm de ser apresentados situação a situação - podendo ser feitos não só pelo próprio juiz como pelos arguidos, pelos queixosos ou pelo Ministério Público. Foi o que sucedeu no julgamento de Manuel Maria Carrilho, quando a sua ex-mulher Bárbara Guimarães pediu o afastamento da juíza, por alegada falta de imparcialidade. O Tribunal da Relação de Lisboa também se recusou a retirar a magistrada do processo. 

Começando por explicar que não lhes cabe a si, mas sim ao Conselho Superior da Magistratura, avaliar se Neto de Moura tem condições para decidir sobre este tipo de casos, os juízes do Supremo defendem que a crítica pública não é susceptível de levantar dúvidas sérias sobre a sua imparcialidade, sejam elas justas ou injustas. Dizem mesmo que o colega “não se pode sentir condicionado” pelo exercício da liberdade de imprensa e de expressão, direitos que “são quotidianamente exercidos pelos mais variados actores numa sociedade aberta e democrática”.

“Neto de Moura está obrigado a julgar violência doméstica”, resume o seu advogado, Ricardo Serrano Vieira.

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