20 anos de Bloco: da extrema-esquerda à social-democracia

Ao dizer numa entrevista que a expressão “extrema-esquerda até poderia ser ofensiva”, Catarina Martins quebrou um tabu de um partido que, da primeira vez que chegou ao Parlamento, insistiu em sentar-se à esquerda do PCP.

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Uma das mudanças mais interessantes que aconteceram no quadro político português nestes últimos 20 anos foi como dois partidos que acreditavam na revolução popular e um outro que juntava alguns ex-militantes do PCP acabaram a produzir um partido social-democrata, reformista, que já não acredita na revolução como ela era entendida pelos seus pais fundadores, à época da criação do partido. 

O Partido Socialista Revolucionário, PSR, oriundo da LCI (Liga Comunista Internacionalista), na época dirigido por Francisco Louçã, juntou-se à UDP liderada por Luís Fazenda - União Democrática Popular, um partido revolucionário que teve algum impacto nos primeiros anos da democracia - e à Política XXI de Miguel Portas e fizeram o partido que se transformou em algo que os três abjurariam na juventude.

O primeiro fundador a perceber que o Bloco de Esquerda estava destinado a ser um partido social-democrata, a ocupar um espaço às vezes deixado vago pelo PS, mas que deveria trabalhar perto do PS, que defendeu essa linha, foi Miguel Portas, que não viveu o suficiente para ver os resultados.

Ao dizer numa entrevista recente que a expressão “extrema-esquerda até poderia ser ofensiva”, Catarina Martins quebrou um tabu de um partido que, da primeira vez que chegou ao Parlamento, insistiu em sentar-se à esquerda do PCP, precisamente no extremo esquerdo do hemiciclo.

Na época havia uma revolução para fazer – agora, e deixemos de lado o peso simbólico da retórica, o que o Bloco quer fazer são reformas à boa maneira social-democrata, a tendência que modelou os partidos socialistas europeus (embora actualmente alguns hoje não sejam reconhecíveis) no século XX.

Alguma direita não percebe isto, ou não quer perceber, porque lhe dá jeito colar o Bloco ao “estalinismo” e à extinção da democracia. O PCP percebe bem demais. O Bloco não pode falar sobre o assunto: a palavra social-democracia está demasiado colada ao PSD, o partido que em Portugal se chama “social-democrata”, embora seja o PS a pertencer à Internacional Socialista.

A expressão “social-democratizante” foi sempre o ataque que o PCP fez ao Bloco, assim como sempre foi um argumento de todas as tendências minoritárias que são contra a actual direcção – e de muitos dos militantes que abandonaram o partido. É de certa maneira, a expressão tabu dentro do BE, que não pode dizer aquilo que realmente é, sob pena de um tsunami. As questões de identidade partidária sempre foram um mau karma - em quase todos os partidos, na realidade.

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