Um perigoso monólogo de surdos

Sem falsas demagogias ou moralismos, há uma realidade que não se pode iludir: não há dinheiro.

Aconteceu o que se esperava e a nova ronda negocial entre o Governo e os sindicatos dos professores sobre a contagem do tempo de serviço acabou num absurdo monólogo de surdos. Ficou assim provado que o veto do Presidente da República ao decreto-lei que consignava a contagem de dois anos, nove meses e 18 dias se limitou a um exercício digno da melhor arte de sacudir a água do capote; que o Governo não está disposto a negociar a cedência de um único dia a mais; e que os sindicatos levaram tão longe as suas reivindicações que não podem agora recuar um passo ligeiro.

Se não estivesse em causa um sector sensível como o da Educação, tudo se resumiria a um bizarro braço-de-ferro; estando em causa a estabilidade do corpo docente e da vida escolar, estamos perante um conflito que causará sérios danos à sociedade portuguesa.

Estaríamos condenados a chegar aqui? Talvez não. Um pouco mais de flexibilidade de parte a parte poderia sempre encontrar uma margem de cedência mútua. Porque se os professores podem reclamar que a proposta do Governo se resume a menos de um terço do tempo perdido, o Governo pode dizer que não tem condições para pagar a factura da recuperação integral desse tempo.

Usar o racional de que as especificidades da carreira docente impõem a contagem dos dois anos e nove meses para que haja uma similitude com a recuperação concedida a outras carreiras da função pública é um exercício que compara o incomparável. Mas não reconhecer que, face a essa situação, o que os professores pedem está muito para lá do que as finanças públicas podem conceder é igualmente um perigoso erro.

Preparemo-nos então para a instabilidade, para um final de legislatura turbulento e preparemo-nos igualmente para o aproveitamento político que os restantes partidos vão fazer da situação. Se houver uma “coligação negativa” que imponha uma vitória dos professores através de uma apreciação parlamentar da proposta do Governo, os partidos proponentes e apoiantes dessa iniciativa terão ganho um importante pecúlio eleitoral. Mas esse desfecho não significará por si próprio uma derrota do Governo.

Sem falsas demagogias ou moralismos, há uma realidade que não se pode iludir: não há dinheiro. A maioria dos portugueses sabe o que cada uma destas palavras quer dizer e sabe que esquecer a sua verdade em favor de interesses corporativos (mesmo que legítimos) já arrastou o país vezes de mais para o precipício.

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